segunda-feira, 31 de agosto de 2009

INTERPRETAÇÃO BÍBLICA

HERMENÊUTICA - INTERPRETAÇÃO DA BIBLIA


1. Conceito

A palavra 'hermenêutica' vem do verbo 'hermenêuein' (interpretar). E esta interpretação foi entendida diversamente através dos tempos. Por isso, temos três tipos de exegese: l. rabínica; 2. protestante; 3. católica.

2. Exegese Rabínica

Os judeus interpretavam a escritura ao pé da letra, por causa da noção de inspiração que tinham. Se uma palavra não tinha sentido perceptível imediatamente, eles usavam artifícios intelectuais, para lhes dar um sentido, porque todas as palavras da Bíblia tinham que ter uma explicação. O exemplo do paralítico é antológico: ele passara 38 anos doente. Por que 38? Ora, 40 é um número perfeito, usado várias vezes na vida de Cristo (antes da ressurreição, no jejum) ou também no AT (deserto, Sinai). Dois é outro número perfeito, porque os mandamentos (vontade) de Deus se resumem em "2": amar Deus e ao próximo. Portanto, tirando um número perfeito de outro, isto é, tirando 2 de 40 deve dar um número imperfeito (38) que é número de doença...

Alegoria pura: neste sentido se entende a condenação de certas teorias que apareceram e eram contrárias à Bíblia (caso de Galileu). Assim era a exegese antiga. No século XVIII, o racionalismo fez o extremo oposto desta doutrina: negaram tudo que tinha alguma aspecto de sobrenatural e mistério, e procuravam explicações naturais para os fatos incompreensíveis, assim por exemplo, dizendo que Cristo hipnotizava os ouvintes e os iludia dizendo que era milagre. JC não ressuscitou, mas ele apenas havia desmaiado na cruz, e quando tornou a si saiu do sepulcro... Talvez não o fizessem por maldade. Era por principio filosófico.

A Igreja primitiva herdou muito do rabinismo, no início, mas depois se libertou. Começaram por ver na Bíblia vários sentidos: literal, pleno e acomodatício. Literal: sentido inerente ás palavras, expressão pura e simples da idéia do autor; Pleno: fundado no literal, mas que tem um aprofundamento talvez nem previsto pelo autor. Deus pode ter colocado em certas palavras um significado mais profundo que o autor não percebeu, mas que depois se descobre. Deus, como autor, fez assim. A palavra do profeta se refere a uma situação histórica; a palavra de Deus se refere ao futuro. Acomodatício: é a acomodação a um sentido à parte que combina com as palavras. É a Bíblia aplicada à realidade apenas pela coincidência dos textos. Por exemplo, em Mt se lê "do Egito chamei meu filho"... para que se cumprisse a Escritura. Mas o sentido, ou seja, a aplicação original deste trecho não se referia à volta da Sagrada Família, mas sim à saída do Povo do Egito. Esta acomodação foi explorada demasiadamente pelos pregadores, que até abusaram disto. Outro exemplo de acomodação é a aplicação a Maria dos textos do livro da Sabedoria. Estes são mais literatura que Escritura. Todavia, crendo-se na inspiração, aceita-se que as palavras do autor podem ter uma significação mais profunda que a original.

3. Exegese Protestante

Surgiu do protesto de alguns cristãos contra a autoridade da Igreja como intérprete fiel da Bíblia. Lutero instituiu o princípio da "scritura sola" (traduzindo, a escritura sozinha), sem tradição, sem autoridade, sem outra prova que não a própria Bíblia. A partir daquele instante, os Protestantes se dedicaram a um estudo mais acentuado e profundo da Bíblia, antecipando-se mesmo aos católicos. Mas o princípio posto por Lutero contribuiu para um desastre hermenêutico, pois ele mesmo disse que cada um interpretasse a Bíblia como entendesse, isto é, como o Espirito Santo o iluminasse.

Isto fez surgir várias correntes de interpretação, que podem se resumir em duas: a conservadora e a racionalista. A conservadora parte daquele principio da inspiração = ditado, em que se consideram até os pontos massoréticos como inspirados. Não se deve aplicar qualquer método cientifico para entender o que está escrito. É só ler e, do modo que Deus quiser, se compreende. A racionalista foi influenciada pelo iluminismo e começou a negar os milagres. Daí passou à negação de certos fatos, como os referentes a Abraão. Afirmam que as narrações descritas, como provam o vocabulário, os costumes, são coisas de uma época posterior, atribuído àquela por ignorância. Esta, teoria teve muito sucesso e começaram a surgir várias 'vidas' de Jesus em que ele era apresentado como um pregador popular, frustrado, fracassado...

Outros ainda interpretavam o Cristianismo dentro da lógica hegeliana: São Paulo, entusiasmado, teria feito uma doutrina, que atribuiu a JC (tese); depois São João, com seu Evangelho constituiu a antítese; finalmente São Marcos fez a síntese. Hoje, porém, se sabe que Marcos é o mais antigo. Estes intérpretes se contradizem entre si, o que provocou uma certa desconfiança. Por fim, a própria arqueologia, em auxílio do Cristianismo, veio provar com a descoberta de vários documentos históricos que a Bíblia tinha razão: aqueles costumes, aquele vocabulário eram realmente daquela época, inclusive o uso dos nomes Abraão, Isaac também eram comuns no tempo. Isto e outras coisas serviram para desmentir tais idéias iluministas.

4. Exegese Católica

Inicialmente, apegou-se muito aos métodos tradicionais: usava mais a tradição e menos a Bíblia. Mesmo no século XIX, a tendência era ainda conservar a apologética, a defesa da fé. Foi o Padre Lagrange quem iniciou o movimento de restauração da exegese católica. Começou a comentar o AT com base na critica histórica. Mas foi alvo tantos protestos que não teve coragem de continuar. Em seguida, comentou o NT, e ainda hoje é autoridade no assunto. A Igreja Católica custou muito a perceber o seu atraso no estudo bíblico, e até bem pouco tempo ainda afirmava ser Moisés o autor do Pentateuco, quando os protestantes há mais de um século já descobriram que não.

O primeiro passo da nova exegese da Igreja Católica foi dado por Pio XII, em 1943, com a encíclica DIVINO AFFLANTE SPIRITU, na qual aprovou a teoria dos vários gêneros literários da Bíblia. Depois, em 1964, Paulo VI aprovou um estudo de uma comissão bíblica a respeito da história das formas (formgeschichte). E hoje em dia, tanto os exegetas católicos como os protestantes são a favor desta, e qualquer livro sério sobre o assunto traz este aspecto. Protestantes citam católicos e vice versa, sem nenhuma restrição.


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segunda-feira, 1 de junho de 2009

AUXILIO PARA SEMINÁRIO (DAVI)

Arqueologia

Como acontece com vários outros personagens do antigo Israel, é relativamente difícil questionar a existência histórica de Davi. Embora não existam inscrições contemporâneas que façam referência ao rei, textos não muito posteriores achados na Palestina parecem mencionar seu nome. Um desses artefatos é a chamada estela de Tel Dan, descoberta ao norte da Galiléia. A estela de Tel Dan, achada no norte de Israel, traz um texto aramaico com a possível menção mais antiga ao nome de Davi fora da Bíblia [1] Também foram descobertas minas de cobre na Jordânia que podem ser uma indicação da existência do personagem bíblico Rei [Salomão], filho e sucessor do Rei David[2].

[editar] Tradição bíblica

David viveu algures à volta de 1050 a.C., foi o segundo rei de Israel sucedendo a Saul (sua Historia é relatada em detalhes nos livros de I e II Samuel). Foi um rei popular e o homem mais vezes mencionado na Bíblia. Ele foi o oitavo e o mais novo filho de Jessé, um habitante de Belém. O seu pai parece ter sido um homem de situação modesta. O nome da sua mãe não se encontra registrado, mas alguns pensam que ela era a Nahash. Quanto à sua aparência pessoal, sabe-se apenas que ele tinha cabelos ruivos, formoso semblante e gentil aparência.

Na narrativa bíblica ele aparece inicialmente como tocador de harpa na corte de Saul e ganha notoriedade ao matar em combate o gigante guerreiro filisteu Golias, ganhando o direito de casar com a filha do rei Saul e a isenção de impostos. Depois da morte de Saul, Davi governou a tribo de Judá, enquanto o filho de Saul, Isboset, governou o resto de Israel. Com a morte de Isboset, Davi foi escolhido o rei de toda Israel e seu reinado marca uma mudança na realidade dos judeus: de uma confederação de tribos, transformou-se em uma nação estabelecida. Ele transferiu a capital de Hebron para Jerusalém, após conquistá-la, pois esta não tinha nenhuma lealdade tribal anterior, e tornou-a o centro religioso dos israelitas, trazendo consigo a Arca Sagrada (seu mais sagrado objeto).

Expandiu os territórios sobre os quais governou e trouxe prosperidade a Israel. Seus últimos anos foram abalados por rebeliões lideradas por seus filhos e rivalidades familiares na corte. Ele é tradicionalmente visto como o autor do livro dos Salmos, mas apenas uma parte é considerada seu trabalho.

Foi concedido por Deus, de acordo com a Bíblia, que a monarquia israelita e judaica iria certamente vir da sua linha de descendentes. O Judaísmo Ortodoxo acredita que o Messias será um descendente do Rei David. O Novo Testamento qualifica Jesus como descendente de David. Porém é certo que Jose esposo de Maria era descendente de Davi, porém como a historia diz Maria ficou gravida do Espirito Santo logo Jesus não descende de Davi. Segundo a tradição Judaica, o genro se tornava filho do seu sogro, então sendo assim Jesus descende de Davi. Maria também é descendente de Davi, portanto Jesus descende de Davi.

Foi ungido rei pelo profeta Samuel ainda durante o reinado de Saul, causando ciúmes de sua parte. Por isto David se exilou por um tempo ( pois confiava em Deus, e não tinha o direito de tocar no ungido do Senhor)

Foi durante seu reinado que Jerusalém foi capturada dos jebusitas, tornando-se capital do reino de Israel.

Foi sucedido por seu filho, Salomão, que foi responsável pelo início da decadência do reino.

contudo hoje os historiadores já encontraram vestiges que comprovam a vida de Davi, este fato foi noticiado a pouco sobre uma pedra com relatos sobre o rei Davi

[editar] Resumo do relato bíblico sobre David

Deus havia ordenado por meio de Samuel que Saul destruísse completamente o povo amalequita por haverem atacado o povo de Israel durante o período do êxodo do Egito, no entanto Saul não destruiu o melhor dos despojos e o próprio rei amalequita Agague. Por essa desobediência Samuel "profetizou" que Saul não seria mais o rei de Israel.

Samuel "instruído por Deus" vai secretamente até a casa de Jessé para "ungir" um novo rei para Israel. Apesar de David ser o mais novo de seus sete irmãos ele foi o "escolhido por Deus para ser ungido". A bíblia relata que nessa época um "mau espírito" atormentava Saul e seus servos buscaram alguém que soubesse tocar lira para que Saul se acalmasse. Saul se afeiçoou por David e fez dele seu escudeiro. Mais tarde quando o exército filisteu se reuniu para enfrentar os israelitas. Um gigante chamado Golias desafiou o exército israelita a enviar um homem para enfrentá-lo no entanto os israelitas tiveram medo do gigante. David indignando-se da vergonha que Golias "trazia a seu Deus" com suas palavras, decidiu enfrentá-lo. Saul ofereceu sua armadura para David, no entanto ele recusou por não ser treinado no combate com armadura e ser de pequena estatura em comparação à armadura (a Bíblia relata que Saul era particularmente alto dizendo que seus ombros sobressaíam acima do resto do povo), então David enfrentou Golias munido apenas de uma funda e algumas pedras. Logo no começo da batalha Davi acertou-lhe a testa com uma pedrada e caindo Golias arrancou-lhe a cabeça com sua própria espada.

Após a vitória David foi colocado como líder de um grupo de soldados e tornou-se o melhor amigo de Jônatas, filho de Saul. Sendo David bem sucedido em todas suas missões e ganhando fama entre o povo, o rei Saul passou a invejá-lo e temeu perder o poder para David. A partir daí Saul tentou por inúmeras vezes matar David, o qual fugiu para salvar-se. David fugiu para o deserto, e começaram a reunir em torno de sí, todos os indesejáveis da época, a Bíblia fala que ladrões e assassinos começaram a procurá-lo, formando um pequeno contigente bélico, o qual o ajudava a se defender das investidas tanto do rei Saul, quanto de outros povos. Quando rei Saul morreu David governou a tribo de Judá. E Isboset, filho de Saul, governou o restante de Israel. Quando Isboset morreu David foi escolhido por Deus para governar a toda Israel. Ele foi um homem "usado por Deus e fez muitas mudanças a Israel".

[editar] Descendência [3]

  • Salomão, casado com mulher desconhecida
    • Roboão, casado com mulher desconhecida
      • Abia, casado com mulher desconhecida
        • Asa, casado com mulher desconhecida
          • Josafat, casado com mulher desconhecida
            • Joram, casado com mulher desconhecida
              • Ozias, casado com mulher desconhecida
                • Joatham, casado com mulher desconhecida
                  • Acaz, casado com mulher desconhecida
                    • Ezequias, casado com mulher desconhecida
                      • Manassés, casado com mulher desconhecida
                        • Amón, casado com mulher desconhecida
                          • Josias, casado com mulher desconhecida
                            • Jeconias, casado com mulher desconhecida
                              • Salathiel, casado com mulher desconhecida
                                • Zorobabel, casado com mulher desconhecida
                                  • Resá, casado com mulher desconhecida
                                    • Joana, casada com homem desconhecido
                                      • Judá, casado com mulher desconhecida
                                        • José, casado com mulher desconhecida
                                          • Semeim, casado com mulher desconhecida
                                            • Matatias, casado com mulher desconhecida
                                              • Maat, casado com mulher desconhecida
                                                • Nagai, casado com mulher desconhecida
                                                  • Esli, casado com mulher desconhecida
                                                    • Naum, casado com mulher desconhecida
                                                      • Amós, casado com mulher desconhecida
                                                        • Matatias, casado com mulher desconhecida
                                                          • José, casado com mulher desconhecida
                                                            • Janei, casado com mulher desconhecida
                                                              • Melqui, casado com mulher desconhecida
                                  • Abiud, casado com mulher desconhecida
                                    • Eliacim, casado com mulher desconhecida
                                      • Azor, casado com mulher desconhecida
                                        • Sadoc, casado com mulher desconhecida
                                          • Achim, casado com mulher desconhecida

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sexta-feira, 29 de maio de 2009

Comentário de 1 e 2 Samuel

INTRODUÇÃO

No texto hebraico os dois livros de Samuel formam um só, porque na realidade a atual divisão não vem apenas interromper a história de Davi, como a da catástrofe em Gilboa, em que Saul tomou parte. Os LXX consideraram os livros de Samuel e dos Reis como uma história única do reino, dividindo-a, no entanto, em quatro partes. Chamaram-lhes então "Livros do Reino" e a Vulgata apenas "Livros dos Reis", considerando os de Samuel como 1 e 2 dos Reis.

A partir do tempo de Daniel Bomberg, no século XVI, muitas bíblias hebraicas continuaram a dividir o livro de Samuel, chamando-lhes 1 e 2 livros de Samuel.

I. O AUTOR

Embora no título apareça o nome de Samuel, não quer dizer que fosse ele o autor dos livros. Uma tradição judaica atribui-lhe, de fato, a autoria; mas, a aceitar tal hipótese, apenas a poderíamos admitir para os primeiros 24 capítulos de 1 Samuel.

É fora de dúvida que os livros constituem uma compilação, se bem que Samuel seja realmente o autor duma grande parte do primeiro livro, pois devia conhecer profundamente a história do povo escolhido, por ter sido chefe das escolas dos profetas. É que nas escolas desse tempo (por Samuel freqüentadas), que formavam o centro da cultura da nação, guardavam-se vivas as relações de Deus com o Seu povo.

Em #1Cr 29.29 lemos no hebraico: "As crônicas do rei Davi, eis que estão escritas nas crônicas de Samuel, o vidente (roeh), e nas crônicas do profeta (nabi) Natã, e nas crônicas de Gade, o vidente (chozeh)". Houve, portanto, acontecimentos narrados por Samuel, Natã e Gade e o compilador das Crônicas fez alusão àqueles autores, enquanto nas suas obras se encontram dispersos "os sucessos" do rei Davi. Por outro lado, achamos que certas páginas das Crônicas contêm quase os mesmos acontecimentos que os dos livros de Samuel, com ligeiras alterações, evidentemente. Mas dá-nos a impressão que o autor das Crônicas tem à mão todos os elementos de que se serve, o que não acontece com o compilador de Samuel.

Sabemos que alguns documentos eram conservados ao lado da arca, desde o tempo de Moisés, e Samuel foi educado em Silo, precisamente junto da arca. Nada mais natural que viesse a interessar-se pela história de Israel, e que a ampliasse até, uma vez que não lhe faltavam dotes de escritor. Recorde-se que, quando Saul subiu ao trono, foi Samuel quem preparou uma constituição para o reino "e escreveu-a num livro e pô-la perante o Senhor" (#1Sm 10.25). Existia, pois, um documento escrito, e junto da arca. Em #2Cr 9.29 novamente se faz alusão a Natã, mas desta vez como autor da história dos feitos de Salomão. Outros profetas são ainda citados como fontes para a história daquele reinado.

Há muitas mais referências no Velho Testamento aos profetas, como autoridades para a história de outros reinados. Temos, pois, a certeza que Samuel, Natã e Gade, ou foram autores diretos dos livros de Samuel, ou pelo menos dos seus escritos foram compilados os acontecimentos que compõem aquilo a que chamamos "Livros de Samuel".

Quanto a Samuel, confirmam-no testemunhas contemporâneas, sabemos que viveu quase até ao fim do reinado de Saul. Natã e Gade sobreviveram a Davi. Importa sublinhar as íntimas relações de Davi não só com o próprio Samuel, como com a escola dos profetas em Naioth (cfr. #1Sm 19.18). Natã e Gade também andavam por vezes intimamente associados a Davi (cfr. #1Sm 22.5; #2Sm 24.11; #2Cr 29.25; #2Sm 7.2-17; #2Sm 12.25; #1Rs 1.8-27). Ninguém duvida da existência de crônicas oficiais do rei Davi, como se deduz de #1Cr 27.24.

Havia ainda uma literatura poética da nação, tal como o livro do Reto (Jaser) (#2Sm 1.18), que deve ter sido uma coleção de cânticos e baladas em honra dos heróis nacionais. Em fontes como estas é que o autor dos livros de Samuel se deve ter inspirado (cfr. #1Sm 2.1-10; #2Sm 3.33-34; #2Sm 22.1-51). Para mais pormenores cfr. o Apêndice II sob o título "A opinião crítica acerca das fontes e documentos".

II. O NOME

O fato de os livros terem o nome de Samuel é suficiente para demonstrar a estima em que ele era tido. Assim, entre os judeus era considerado um chefe nacional, um segundo Moisés. Se este libertou Israel das garras dos egípcios, dando-lhes uma lei e levando-os até à vista da Terra da Promissão, Samuel foi por Deus enviado para libertar também Israel, quando já as esperanças pareciam perdidas. Sob o ponto de vista espiritual e político a nação parecia virtualmente perdida, quando Eli estava prestes a deixar esta vida (cfr. #1Sm 4.12-22; #Sl 78.59-64; #Jr 26.6). Com Samuel surgiu uma maravilhosa renovação espiritual e uma nova esperança inundou os corações (#1Sm 7).

Julgam muitos ser Samuel o fundador das escolas dos profetas, que durante séculos tão profunda influência exerceram na vida da nação. À volta destas escolas não só se respirava o ambiente da vida espiritual de Israel, mas ainda o de sua vida cultural e educativa. Se Moisés promulgou a Lei, foi Samuel quem garantiu que ela fosse propagada juntamente com outras revelações de Deus.

Ao mesmo tempo, Samuel era o instrumento providencial de Jeová para guiar o povo de Israel no momento crítico da mudança da era dos juízes para a monarquia. Expectativa e prudência! Deus pedia a Samuel nessa altura para incutir no povo o ideal duma monarquia constitucional sob a orientação do mesmo Deus, já que o rei devia observar a Lei e ser guiado pelas revelações de Deus através dos profetas. Quando Saul falhou na sua missão, após ondas de crimes e de despotismo, lá estava Samuel, sempre bafejado pela sombra protetora de Deus, a preparar Davi para ser um rei "segundo o coração de Deus". Apesar de algumas fraquezas, nunca Davi se colocou acima da Lei de Deus, nunca faltou ao respeito aos Seus profetas. É por isso que os livros de Samuel têm como principal objetivo narrar a história do rei Davi.

Podia Samuel considerar-se deveras privilegiado, quando lhe foi concedida a missão de dar aos profetas o verdadeiro lugar que lhes competia na vida do povo israelita. Ao mesmo tempo, foi o introdutor da monarquia e o legislador providencial para que se preparasse convenientemente o caminho Àquele que seria Profeta, Sacerdote e Rei. Só um homem como Samuel poderia, portanto, ter a honra de dar o nome ao conjunto dos dois livros presentes.

III. DATA DA COMPILAÇÃO

Pelo estilo do livro, somos levados a considerar a data da sua compilação numa época muito remota. É ainda o hebraico puro que encontramos nessas páginas de raro e vivo colorido, isento das expressões aramaicas e formas mais recentes, que se encontram noutros livros. Deve ter sido escrito pouco tempo depois da primeira apresentação de Saul a Samuel. Nessa época o termo ro’eh (vidente) aplicava-se ao profeta. Mas quando se fez a compilação já se usava o termo nabhi’, sendo necessário explicar às novas gerações o significado de ro’eh (cfr. #1Sm 9.9). Se se chegar à conclusão de que se trata, na realidade, duma nota adicional, esta pode ter sido acrescentada muito depois da compilação.

Seja como for, o livro deve ter sido compilado depois da morte de Davi (cfr. #2Sm 5.5), porque se indica a extensão do seu reinado. Antes do reinado de Roboão não deve ter sido, pois, já Israel se encontrava separado de Judá (cfr. #1Sm 27.6), atendendo a alusão aos "reis de Judá". Os LXX também admitem uma data posterior a Roboão (cfr. #2Sm 8.7; #2Sm 14.27). O estilo do livro assim o reclama, aliado ao fato de não se fazer referência a qualquer acontecimento passado depois daquela época.

IV. CRONOLOGIA

Damos a seguir a cronologia mais ou menos aproximada dos principais acontecimentos:

Nascimento de Samuel-1090

Vocação de Samuel-1080

Morte de Eli. Samuel juiz-1070

Saul sobe ao trono-1040

Morte de Samuel-1015

Morte de Saul em Gilboa-1010

Davi rei de Judá-1010

Davi rei de todo o Israel-1003

Convém notar que se passa em silêncio uma grande parte da história de Saul, talvez um espaço de cerca de vinte anos. Era jovem, e possivelmente solteiro, quando foi eleito (#1Sm 9.2). Os acontecimentos dos caps. 10 e 11 parece que sucederam aos do capítulo 9 com um intervalo pequeníssimo. ' Quando se torna a falar em Saul, já é pai dum valente soldado-Jônatas. Quer dizer que se passaram uns vinte anos, pelo menos. O principal objetivo do autor não é historiar a vida de Saul, mas, sim, a do grande Davi.

1Sm-1.1

I. HISTÓRIA DE ISRAEL DESDE O NASCIMENTO DE SAMUEL ATÉ À LIBERTAÇÃO DOS FILISTEUS. 1Sm 1.1-7.17

a) Nascimento e primeiros anos de Samuel (1Sm 1.1-3.21).

1. ELCANA E SUAS DUAS MULHERES (#1Sm 1.1-8). A conjunção e, que encontramos no texto hebraico a iniciar o capítulo primeiro deste livro, vem indicar que este não é mais que uma continuação do livro dos Juízes que o precede no texto. Elcana (1), pai de Samuel, era levita e descendente de Coate (#1Cr 6.22-28; 33.38). Devia desfrutar de certa posição social, como chefe da família Zofim, de que derivou o nome da aldeia: Ramataim de Zofim (1). A palavra Ramataim significa "altitude", enquanto que Zofim deriva de Zuf ou Zofai, antepassado de Elcana. Tinha duas mulheres (2). Embora a poligamia fosse tolerada pela lei de Moisés (#Dt 21.15-17), não era essa, em princípio, a vontade de Deus (#Mt 19.8). Vejam-se os desgostos que causou a Elcana, como aliás a tantos outros. Penina (isto é, "pérola" ou "coral") vexou grandemente a esposa favorita Ana (que quer dizer "graça") por ser estéril (2-8), o que constituía a maior ignomínia para qualquer mulher judaica. Subia... de ano em ano (3). Era na realidade um casal piedoso que anualmente se dirigia ao santuário de Silo, a cerca de 18 quilômetros ao norte de Betel, para aí, em solene festividade, prestar culto ao Senhor dos Exércitos (3). Em heb. a expressão jehovah sebaoth significava Senhor de todos os poderes, sobretudo dos seres celestes.

I SAMUEL

>1Sm-1.9

2. A ORAÇÃO DE ANA (#1Sm 1.9-20). Com o espírito amargurado Ana procura refúgio no Tabernáculo (hekal "templo" -vers. 9), onde entrega a alma a Deus. O velho Eli, Sumo Sacerdote, vendo-a mover apenas os lábios, julgou-a a princípio embriagada (13), como então era freqüente entre mulheres de costumes fáceis. Mas não. Ela não era filha de Belial (16; lit. "mulher indigna, desprezível") e o seu piedoso ato só a confortou nesse transe tão difícil (18). Jeová ouviu-lhe as preces e presenteou-a com um filho, a quem, reconhecida, pôs o nome de Samuel (20, em heb. Shemuel, i.e., ouvido de Deus).

>1Sm-1.21

3. SAMUEL, AINDA CRIANÇA, É DEDICADO AO SENHOR (#1Sm 1.21-28). Na próxima celebração da festa anual, voltou Elcana "para pagar os seus votos e todos os dízimos da terra" (21), mas Ana só foi, depois de desmamada a criança, ou seja, dois ou três anos mais tarde, quando já poderia ficar na casa do Senhor para sempre (21-22). Três bezerros (24). Um em holocausto pela consagração de Samuel; os outros dois pelo sacrifício anual (2). Ao Senhor eu o entreguei (28). Literalmente: "volta para Jeová, enquanto viver, pois foi obtido por petição a Jeová". No hebraico há um trocadilho de palavras dificilmente traduzível.

1Sm-4.1

b) A guerra com os filisteus (1Sm 4.1-7.17).

Na Vulgata, na versão siríaca e nos LXX a parte do capítulo #1Sm 4.1 referente a Samuel é colocada no fim do capítulo 3, como sendo o local mais indicado. Os filisteus (1). Ainda perduram os ecos das batalhas com este povo, que durante quarenta anos subjugou os israelitas (cfr. #Jz 13.1), mas sofreu duro revés no vigésimo ano do juízo de Samuel (#1Sm 7.2,13,14). Sabemos que ainda antes do nascimento de Sansão, já esse povo dominava em Israel (#Jz 13.5). E como Sansão julgou a Israel vinte anos (#Jz 15.20), foi sem dúvida contemporâneo de Eli. Como explicar então as funções dos dois juízes? Nada mais fácil. Eli tratava das questões civis e religiosas em Silo; Sansão encarregava-se das operações militares na fronteira. A palavra "filisteus" significa em hebraico "imigrantes". Os LXX traduzem-na por allophuloi, i. e, estrangeiros. Amós (#Am 9.7) dá os provenientes de Caftor, ou seja, de Creta. Foram eles que destruíram a civilização dos aveus na costa de Canaã (#Dt 2.23; #Js 13.3; #2Sm 8.18n). O Gênesis (#Gn 10.13-14) associa-os ao Egito (Misraim), mas havia grande movimento entre os dois países.

1. ISRAEL É INVADIDA PELOS FILISTEUS (#1Sm 4.1-11). No local, mais tarde chamado Ebenézer, mataram os filisteus 4.000 israelitas em batalha campal (2). Esquecendo-se que a derrota era devida ao não cumprimento da lei, por parte do povo eleito, lembraram-se, os israelitas de se fazerem acompanhar da arca, julgando-a um talismã capaz de lhes dar a vitória. Que loucura! Acreditarem mais nos símbolos do que no arrependimento do coração! Que habita entre os querubins (4). Literalmente: "Que está entronizado acima dos querubins". A arca simbolizava a presença de Deus e recordava a aliança. Cfr. #2Sm 6.6-11n e Apêndice I. Por isso os próprios filisteus se atemorizaram, ao vê-la, porque sentiam que Deus (’ Elohim) descera ao campo do inimigo (7). O fato de utilizarem os filisteus esta palavra, que é um plural, com o verbo, o adjetivo e o pronome no plural também vem apenas demonstrar que esse povo era politeísta, ao passo que os israelitas, usando o verbo no singular, davam provas manifestas do seu entranhado monoteísmo (7-8). Mas os filisteus até reconheciam as maravilhas, efetuadas por Jeová no deserto (8). Apesar disso, recobraram ânimo e, caindo sobre os israelitas, deixaram no campo 30.000 mortos (9-10), entre os quais Hofni e Finéias. A arca caiu em poder dos filisteus, cumprindo-se assim as profecias (#1Sm 1 e 2), enquanto Deus se afastava de Israel (cfr. #Sl 78.56-64).

>1Sm-4.12

2. É DIZIMADA A FAMÍLIA DE ELI (#1Sm 4.12-22). Entretanto o velho Eli, sentado à porta do tabernáculo, aguardava as notícias da funesta batalha, ansioso sobretudo pelo destino da arca. Chegou finalmente o mensageiro vindo de Ebenézer (a cerca de 32 quilômetros), seminu e coberto de poeira, como a anunciar a grande catástrofe (12). Toda a cidade se comoveu, irrompendo num alarido ensurdecedor (13). À medida que o mensageiro, a arfar, anunciava os resultados da hecatombe, incluindo a morte dos filhos e a tomada da arca, Eli, quase centenário, desfalecia lentamente, até que, tombando da cadeira, "quebrou-se-lhe o pescoço" e morreu (16-18). Jeová abandonara a casa de Eli!

>1Sm-4.19

Impressionante é ainda a morte da esposa de Finéias, provocada pelas notícias da catástrofe, onde tombaram o marido e o sogro. Ao expirar, após um parto prematuro (19), quis que seu filho se chamasse Icabode (cujo significado é: "não glória" ou "onde está a glória?") e disse ao mesmo tempo: Foi-se a glória de Israel (21). Dá-nos a impressão que lhe causou maior desgosto a perda da arca que a morte dos entes queridos.

1Sm-8.1

II. O REI SAUL. 1Sm 8.1-15.35

a) A eleição de Saul (1Sm 8.1-12.25).

Veja-se a seção III do Apêndice II para um estudo do problema crítico. Até agora fora Israel governada diretamente por Jeová, numa teocracia seguindo um grande ideal.

Mas a perversidade e a fraqueza dos homens levaram à desobediência, ao fracasso. Só em presença do perigo é que o povo dava ouvidos às mensagens do Senhor. Agora, levado por um sentimento de orgulho nacional, vai pedir um rei. A monarquia, no fim de contas, nos destinos da Providência, tinha por objetivo dar ao povo eleito uma idéia do reinado messiânico. Mas, se tivessem seguido fielmente a Deus, tornava-se dispensável a presença dum rei terreno.

1. O POVO PEDE UM REI (#1Sm 8.1-22). Pormenores sobre este texto encontram-se no Apêndice II.

1Sm-13.1

b) Guerras com os filisteus (1Sm 13.1-14.52).

1. SAUL PREPARA O SEU EXÉRCITO E REÚNE O POVO EM GILGAL (#1Sm 13.1-7). O texto original é um pouco diferente no que respeita ao vers. 7: "Saul tinha-quando começou a reinar e reinou-e dois anos sobre Israel". Omitem-se os números. Os LXX omitiram o versículo simplesmente. Julga-se, entretanto, que Saul tinha cerca de 30 anos quando subiu ao trono e reinou 32 anos aproximadamente, porque Mefibosete tinha apenas cinco anos quando Saul morreu. Os 32 acrescentados aos 7 anos e meio que separam a morte de Saul da de Is-Bosete perfazem o total de 40 anos do reinado de Saul, a que faz alusão #At 13.20. Em #1Sm 9.2 Saul é considerado um "mancebo". Agora Jônatas é homem feito, ou pelo menos soldado consumado. Quer dizer que se passam em silêncio pelo menos 20 anos desde os acontecimentos narrados no capítulo 12. Saul forma um pequeno exército permanente (2), o que já representa, para a época, notável progresso. A guerra começada em Gibeá, em breve se estendia a todo o Israel. De acordo com as instruções de Samuel (#1Sm 10.8), o povo reúne-se em torno de Saul na cidade de Gilgal- posição apta a fins militares, logo à entrada do desfiladeiro que conduz a Micmás (4-5).

>1Sm-13.6

Era considerável o número dos inimigos. Tomaram-se, no entanto, as posições segundo um plano pré-estabelecido: Saul defenderia o desfiladeiro, enquanto Jônatas se encarregaria da defesa de Gibeá, ao sul. Desconfiados do êxito, os israelitas foram tomados dum medo inexplicável, que os levou a refugiarem-se em todos os esconderijos possíveis (6-7).

>1Sm-13.8

2. CONSEQÜÊNCIAS DA DESOBEDIÊNCIA DE SAUL (#1Sm 13.8-14). De Samuel tinha recebido Saul instruções rigorosas para não proceder a sacrifício algum, antes da sua chegada a Gilgal. Mas Saul, receando uma invasão repentina dos filisteus, esqueceu os conselhos do profeta e resolveu, por alta iniciativa oferecer o seu holocausto por intermédio do sacerdote Aíja (8-9). Samuel aparece nesse momento ao rei que, confuso e humilhado, apresentou fracas desculpas e lhe anuncia que Deus determinou entregar a outrem os destinos do povo eleito (13-14). A linguagem profética apresenta a vontade divina como a coisa já feita ou cumprida.

>1Sm-13.15

3. MOVIMENTA-SE O EXÉRCITO DOS FILISTEUS (#1Sm 13.15-23). Saul e Jônatas encontram-se em Gibeá e daí partem para Micmás, a fim de enfrentar o inimigo por alturas do desfiladeiro. Os destruidores (17). Repare-se nas diferentes direções tomadas pelos filisteus para mais facilmente devastar a terra.

>1Sm-13.19

Os filisteus impuseram um desarmamento completo aos israelitas, não lhes permitindo que os ferreiros exercessem a sua atividade em Israel. Por isso os israelitas em caso de necessidade, tinham de recorrer aos filisteus para lhes afiarem os instrumentos agrícolas (19-20), não sem pagarem um imposto, nada pequeno para a época. Sendo assim, os filisteus esperavam uma vitória fácil, quando saíram para Micmás, ao encontro de Saul.

1Sm-15.1

c) A destruição dos amalequitas (1Sm 15.1-35).

1. SAUL RECEBE ORDENS PARA EXTERMINAR AMALEQUE (#1Sm 15.1-6). Última prova a que Saul é submetido após os conselhos de #1Sm 13.13, que de resto não o levaram ao arrependimento. Insiste-se de novo na obediência à voz das palavras do Senhor (1), mas sem resultado. Este capítulo é o elo de ligação entre a história de Saul e a de Davi. Amaleque (2). Entre os desertos da Judéia e o Egito, já ha muito tinha o seu destino traçado em virtude das atrocidades cometidas contra Israel (cfr. #Nm 24.20; #Dt 25.17-19). Vai, pois ser destruída totalmente (lit. "dedicada à destruição". Heb. haram), isto é, separada para Deus, de forma a não ficar qualquer despojo (3). Cfr. #Lv 27.28-29; #Js 6.17-18. A justiça de Deus precisava ser vingada, para que se salientasse a importância que ocupa na vida o elemento moral. Repare-se na escassez de população em Judá (4) e na lembrança da antiga amizade com os queneus (6). Cfr. #Jz 1.16; #Jz 4.11,17; #1Sm 30.29.

>1Sm-15.7

2. COMO FOI CASTIGADA A DESOBEDIÊNCIA DE SAUL (#1Sm 15.7-31). Não obstante a vitória que pôs em fuga os amalequitas, desde o sul da Judéia até à fronteira egípcia, desobedeceu Saul pelo fato de poupar a vida ao Rei Agague e ao melhor dos seus haveres. O Senhor arrependeu-se (11), então, de o ter escolhido para rei. Mas não se veja nesta atitude de Deus qualquer semelhança com o arrependimento humano (cfr. vers. 29). Pense-se apenas numa alteração de instrumentos para cumprir os desígnios do Senhor. E quando o homem se arrepende Deus anula o castigo prometido. Samuel lamentou profundamente a atitude de Saul e entristeceu-se com o sucedido (11). Mas, ao encontrar-se com ele em Gilgal, depois de passar pelo Carmelo, junto do Hebrom, Saul não parecia reconhecer ainda a gravidade da sua falta, alegando ter sido o fervor e o zelo pela religião que o levaram a reservar aqueles animais a fim de os sacrificar ao Senhor (12-14,20,21). O profeta, porém, fez-lhe ver que, sendo pequeno (17), foi no entanto exaltado com o trono. Por que não dava ouvidos então à voz do Senhor? (19). Aos subterfúgios e à argumentação arguciosa de Saul concluiu apenas o profeta: Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender melhor é do que a gordura de carneiros (22). (Cfr. #Os 6.6; #Sl 50.8-14; #Sl 51.16; #Is 1.11; #Jr 6.20). Sendo a religião do coração melhor que as cerimônias externas e formais, não é de estranhar que a rebelião (23) contra Deus seja tão perniciosa como a feitiçaria e a obstinação tão nociva, como o culto dos ídolos (heb. ’ awen) e terafim. Cfr. esta referência a terafim com o uso dum ídolo por Mical para ajudar o escape de Davi (#1Sm 19.13), e veja-se o Apêndice II.

>1Sm-15.8

Saul confessa-se pecador, mas as suas palavras são desprovidas de sinceridade, pois atribui ao povo pelo menos parte da sua culpa (24-25). Não obstante esta pretensa confissão, o Senhor insiste em não admiti-lo novamente como rei de Israel (26), aproveitando Samuel a oportunidade para lhe frisar essa atitude do Senhor, quando Saul, num gesto de desespero, rasgou a capa do profeta (27-28). No vers. 29, veja nota sobre o vers. 11.

>1Sm-15.32

3. SAMUEL VAI MATAR AGAGUE (#1Sm 15.32-35). Agague veio a ele animosamente (32). O advérbio heb. ma’adhan, que também pode significar "alegremente" ou "delicadamente" é traduzido pelos LXX por "tremendo". As atrocidades de Agague exigiam a pena de morte, que lhe foi dada pelas mãos de Samuel (33). Terminavam assim as relações de intimidade entre Samuel e Saul, um como profeta, outro como rei, enquanto se empenharam ambos na grandiosa missão que lhes fora confiada de dirigir os destinos da nação e o culto do Deus de Israel (34-35). Samuel, no entanto, lamentará para sempre a tragédia do que fora grande rei em Israel (35).

1Sm-16.1

III. SAUL E DAVI 1Sm 16.1-31.13

a) Unção de Davi. Vitória sobre o gigante Golias (1Sm 16.1-17.58).

1. SAMUEL VISITA BELÉM E UNGE DAVI (#1Sm 16.1-13). O Senhor disse a Samuel que acabasse com as lamentações pelo afastamento de Saul do trono israelita, e se dirigisse a Belém para ungir o seu sucessor (1). Mas Saul era vingativo e tornava perigosa a missão do profeta (cfr. #1Sm 22.18-19). Era por isso conveniente dizer que ia sacrificar ao Senhor (2). Justifica-se plenamente essa atitude, pois nada obsta a que se oculte uma primeira intenção, anunciando apenas a segunda. Entretanto, Davi ir-se-ia preparando para receber as instruções que lhe seriam dadas por Samuel, relativas ao futuro trono.

>1Sm-16.7

O Senhor, que olha para o coração (7) e não para as aparências, não escolheu Eliabe nem qualquer dos outros seis jovens que desfilaram perante o profeta (6-10). A escolha caiu sobre um pastor, o mais jovem, ruivo e formoso de semblante e de boa presença (12). O heb. e os LXX dizem "de lindos olhos". Então Samuel o ungiu e o espírito do Senhor se apoderou dele (13), para treiná-lo para a sua grande tarefa.

>1Sm-16.14

2. SAUL É ATORMENTO POR UM ESPÍRITO MALIGNO (#1Sm 16.14-23). Enquanto Davi progredia nos caminhos do Senhor, Saul era assombrado por um espírito maligno, uma vez que dele se afastara o espírito do Senhor (14). Grande castigo de Deus, sem dúvida! E era tal o sofrimento desse rei que só o suavizava o som harmonioso da harpa. Mas quem lhe tocaria esse instrumento? Logo houve quem se lembrasse de Davi, que a muitas outras qualidades aliava a de ser exímio harpista. Depois dos costumados presentes, em sinal de profundo respeito (20), Davi foi à presença de Saul que o amou muito (21). De acordo com a natureza das narrações hebraicas o historiador segue até ao fim o tema principal e volta depois a preencher lacunas e a salientar pormenores. Talvez estes versículos possam referir-se aos acontecimentos que se seguiram à morte do gigante Golias.

3. BREVE INTRODUÇÃO AOS CAPÍTULOS 17 E 18. O texto destes capítulos apresenta várias dificuldades. Os LXX, tal como se apresenta o manuscrito do Códice B do Vaticano, omite os seguintes versículos que se encontram no texto hebraico: #1Sm 17.12-31,41,48,50, 55-58; 18.1-5 e em parte #1Sm 18.6,9-11,17-19,30. Julga-se que os tradutores dos LXX omitiram estes passos para evitar as dificuldades apresentadas pelo texto hebraico, tornando assim a narração mais consistente e até mais perfeita e compreensível. Mas não é fácil admitir que eles deliberadamente cometessem esta mutilação.

As dificuldades que tais omissões poderiam resolver podemos assim resumi-las: 1) #1Sm 16.19-23 conta como Saul chamou Davi para tocar harpa: a boa impressão que lhe causou o jovem artista, logo nomeado pagem de armas. Era uma posição de honra e de confiança. Mas parece haver contradição com o capítulo 17, onde Davi aparece ausente do exército num transe difícil para Israel. Apenas vai ao acampamento levar os víveres aos irmãos e ao mesmo tempo trazer notícias ao pai, já de avançada idade. Por um lado, os irmãos achavam absurdo que seu irmão mais novo entrasse nos combates; por outro, nem o rei, nem Abner reconhecem Davi, o que é de estranhar, sendo ele da intimidade de Saul e mesmo seu pajem de armas. 2) #1Sm 17.12 e segs. é uma repetição do que já se dissera no capítulo 16. 3) #1Sm 18.1-5 narra por ordem diferente o mesmo que os vers. 13-14. 4) #1Sm 18.8-9 parece deslocado. Saul dificilmente nutriria tais sentimentos de ódio, pelo menos nessa altura. O certo é que o versículo 13 alude ao bom tratamento que teve para com Davi. 5) #1Sm 18.19, onde se diz ter sido Merabe dada em casamento a Adriel, parece contradizer-se com #2Sm 21.8, onde Mical se afirma ter dado a Adriel cinco filhos.

Tais são as alegadas discrepâncias. Devemo-nos relembrar, entretanto, no que diz respeito ao texto hebraico, que os livros de Samuel foram compilados baseados em vários documentos. Estes não foram ordenados em sua presente forma senão depois de ter-se passado um período considerável de tempo. As escolas de profetas certamente foram treinando gradualmente homens capazes de conservar um registro em ordem sobre a história da nação. Sabemos que houve muitos anais, como, por exemplo, o Livro de Jaser, o Livro das Guerras do Senhor, os registros de Gade, e outras narrativas. Sem dúvida que muito material histórico foi preservado pelas diversas escolas de profetas. Baseada nesses materiais é que a narrativa foi compilada. Houve pouca tentativa para escrevê-la na ordem estritamente cronológica. Visto que a história foi compilada de vários documentos, não é surpreendente que encontremos certas informações repetidas, como em #1Sm 17.12.

Não nos esquecendo desses fatos, não é muito difícil explicar as aparentes discrepâncias no texto hebraico. A seguinte explanação tem sido apresentada por vários escritores: 1. #1Sm 16.15-18 se refere a uma visita breve, casual, de Davi, à corte, na qualidade de jovem trovador quando em seus verdes anos. Sua descrição como valente e animoso (18) se refere a tais episódios como aquele com o leão e o urso; e o termo homem de guerra (18) deve ser considerado como descrição de sua potencialidade como jovem de coragem. A desordem mental de Saul impediu que tivesse prestado muita atenção ao jovem. 2. Quando Saul melhorou, Davi retornou a Belém, e isso é referido em #1Sm 17.15: Talvez ele tenha permanecido ali pelo espaço de alguns anos, e assim transformou-se de adolescente em homem jovem, quando Saul o viu em seguida, por ocasião da morte de Golias. 3. #1Sm 16.19-23 se refere ao que sucedeu após a vitória sobre o gigante, quando Saul, cheio de admiração, tomou Davi permanentemente para seu serviço na corte, como escudeiro e harpista. O escritor, neste ponto, leva sua narrativa a uma conclusão, como se isso tivesse sucedido imediatamente em seguida ao que fora registrado nos versículos anteriores. Isso não é incomum no hebraico. 4. Em #1Sm 17.31 e segs., Davi é apresentado a Saul como guerreiro. O rei não reconhece no desempenado mancebo o trovador adolescente de alguns anos atrás. E Abner, na qualidade de comandante em chefe, certamente que não tinha prestado muita atenção a um pequeno músico. 5. Segundo esse ponto de vista, teria sido muito natural que o rei interrogasse quem era o pai de Davi, seu futuro genro (#1Sm 17.55,58).

Existem outros modos mediante os quais diferentes escritores têm procurado harmonizar os termos do texto hebraico, mas, o que já dissemos demonstra que é possível uma explicação. Se ao menos conhecêssemos mais a respeito das circunstâncias, provavelmente nossas dificuldades desapareceriam. Deve ser adicionado, porém, que alguns dos versículos que já citamos como ausentes do texto da Septuaginta também estão ausentes em alguns poucos outros manuscritos. Apesar de que #1Sm 17.12-31 se acha presente no manuscrito Alexandrino A, é claro que tal trecho foi ali inserido. A maioria dos manuscritos, entretanto, seguem mais de perto o texto hebraico que os LXX. Hoje em dia há mais hesitação em pôr de lado o texto hebraico massorético, em favor da Septuaginta, que na geração passada. Ver igualmente o Apêndice II.

1Sm-18.1

b) Davi e Jônatas (1Sm 18.1-20.42)

1. A AMIZADE ENTRE DAVI E JÔNATAS (#1Sm 18.1-4). Estes versículos revelam o início da mais pura e nobre amizade jamais conhecida entre os homens, excetuando Cristo. O fato de Jônatas ter dado a Davi a sua capa (heb., me’il) e seus vestidos (heb., mad’ "veste militar"), incluindo sua espada e seu arco, foi um sinal público de honra prestada a Davi (4).

>1Sm-18.5

2. A POPULARIDADE DE DAVI E A INVEJA DE SAUL (#1Sm 18.5-30). O heroísmo e a prudência de Davi (5) naturalmente que lhe trouxeram honrarias, até mesmo da parte dos cortesãos e oficiais e mulheres de Israel. Mas a inveja e as intenções assassinas de Saul para com Davi (6-12) parecem ter-se referido a uma vitória posterior. Dificilmente ele poderia ver em Davi um rival, imediatamente depois da morte de Golias. A amargura de espírito mais tarde surgida no monarca levou-o à sua destruição e causou infinito sofrimento. O mau espírito da parte de Deus (10) que afligia Saul, tem muito de misterioso. A "profecia" de Saul, neste passo, é muito semelhante à de #1Rs 22.22, onde um "espírito de mentira" estava na boca dos falsos profetas. Foi uma punição judicial da parte de Deus por causa de certas tendências no caráter do rei. Isso fica demonstrado pelo fato que o Senhor... se tinha retirado de Saul (12). A malevolência do rei se nota quando atirou sua lança para ferir Davi (11), em não ter dado Merabe como esposa a Davi, segundo sua promessa (#1Sm 17.25), e em sua exigência que Davi praticasse grandes feitos de bravura contra os filisteus, para provocar a morte de Davi (17-19), e em ter oferecido Mical a Davi, sob a condição de fazer cair a Davi pela mão dos filisteus (25).

1Sm-21.1

c) O exílio de Davi (1Sm 21.1-24.22)

1. DAVI OBTÉM PÃO SANTIFICADO E A ESPADA DE GOLIAS, EM NOBE (#1Sm 21.1-9). A localização de Nobe é desconhecida, mas ficava à vista de Jerusalém (conf. #Is 10.29-32). Davi chegou ali, até o tabernáculo, pois queria ajuda e orientação. Aquimeleque, o Sumo Sacerdote, era um homem bom, bisneto de Eli, o Sumo Sacerdote no tempo da meninice de Samuel, sobre cuja casa tinha sido passada uma sentença de destruição (conf. #1Sm 3.13-14). Davi enganou Aquimeleque fingindo que viajava comissionado por Saul (2), e esse engano produziu desastrosas conseqüências (#1Sm 22.18-19). Embora Davi naquele momento estivesse só, provavelmente tinha ordenado aos mancebos (algumas versões dizem "servos"), seus seguidores, que fossem ter com ele em certo lugar de encontro (2).

>1Sm-21.4

O único pão que havia disponível era pão sagrado (4), mas, em vista daquelas circunstâncias aduzidas, o sacerdote deu-lhe os pães da proposição ou "pães da Presença" (6). Os versículos 5 e 6 são difíceis quanto ao texto, ainda que o sentido seja claro. Os jovens não tinham tido relações sexuais nos dias anteriores e, por esse motivo, estavam cerimonialmente puros, de conformidade com a lei (conf. #Êx 19.14-15). Os vasos ou utensílios em que os pães seriam postos também estavam cerimonialmente puros. Davi argumenta ainda que embora estivesse tratando o pão como se fosse comum, "não obstante certamente hoje o pão no vaso é santo" (5), isto é, pão da proposição fresco tinha, naquele mesmo dia, sido cozido e posto na mesa, no lugar do que receberiam pois o dia era uma sexta-feira. Doegue, um brutal e perverso edomita, estava ali detido perante o Senhor (7). Ele era chefe dos pastores de Saul e, aparentemente, era um prosélito, mantido no tabernáculo por causa de algum voto, ou como castigo devido a algum crime. O patife observou como Aquimeleque deu a Davi os pães da proposição e a espada de Golias. Esse incidente tem importância especial por causa do fato que Cristo referiu-se ao mesmo (#Mt 12.3-4; #Mc 2.25-26; #Lc 6.3-5).

>1Sm-21.10

2. DAVI SIMULA LOUCURA EM GATE (#1Sm 21.10-15). O fato de ter ele ido para a companhia de Aquis, o senhor filisteu de Gate, mostra quão desesperado era o perigo que Davi corria (10). Davi simulou loucura, e esgravatava nas portas, ou, como diz a Septuaginta, "tamborilava nas portas do portal". O deixar correr a saliva pela barba (13) seria considerado, no oriente, como possível somente da parte de um demente, pois uma indignidade praticada com a barba era considerada como intolerável. O fingimento foi bem sucedido.

1Sm-25.1

d) A morte de Samuel (1Sm 25.1)

Samuel mereceu as mais altas honrarias que puderam prestar-lhe. Nenhum homem maior que ele tinha vivido desde Moisés, e a nação lamentou igualmente a perda de ambos (conf. #Dt 34.5-6,8). Desde sua tenra infância ele havia preservado em completa integridade entre o povo, na qualidade de profeta e juiz, e agora, uma nação agradecida, o sepultou na sua casa, em Ramá, isto é, num jardim ou ala da casa.

>1Sm-25.2

e) Davi e Abigail (1Sm 25.2-44)

1. DAVI E NABAL (#1Sm 25.2-13). Em seguida Davi desceu para o deserto de Parã (1). A Septuaginta lê Maom, em lugar de Parã, o que está de conformidade com o contexto. Nabal vivia em Maom. Ele fazia seu gado pastar no Carmelo, nas proximidades (2), mas não o Carmelo perto de Esdrelom, onde Elias havia ordenado a morte dos profetas de Baal. O tempo da tosquia era uma ocasião de mostrar hospitalidade e boa vontade entre os proprietários de rebanhos. O pedido de Davi era apenas o que qualquer xeque árabe teria solicitado, mesmo nos tempos modernos, para proteção dos rebanhos de outrem. Nabal, entretanto, fiel ao significado de seu nome ("louco") insultou os mensageiros de Davi. Amontoou insultos contra Davi, como se fosse um ninguém. Não admira, pois, que Davi tenha ficado indignado e tenha marchado contra Nabal com 400 homens armados de espadas (12-13).

>1Sm-25.14

2. O TATO DE ABIGAIL PACIFICA DAVI (#1Sm 25.14-35). Abigail era mulher cheia de tato e atrativa como seu marido era insensato e repulsivo. Quando foi informada, por um de seus servos, como os homens de Davi tinham sido insultados por seu marido, ela imediatamente começou a agir. O servo calorosamente reconheceu a proteção que havia recebido dos homens de Davi: De muro em redor nos serviram, assim de dia como de noite (15-16). Filho de Belial (17). Ver #1Sm 2.12 nota.

>1Sm-25.20

Pelo encoberto do monte (20). Uma fenda ou vale estreito e profundo onde Abigail avançava, sem poder ser vista. Davi e seus homens vinham montados, descendo pela colina defronte, furiosos de indignação e prometendo completo aniquilamento. Seguindo a fórmula usual dos juramentos, a Septuaginta diz: "Assim faça Deus a Davi" (22), e não aos inimigos de Davi, como diz no hebraico e nesta versão também. Abigail, muito sinceramente e com grande tato, apresentou suas desculpas (24-25), e prosseguiu: "Ora, meu senhor, assim como Jeová vive, e tua alma vive, foi Jeová que te impediu de cair em culpa de sangue e de te salvares com tua própria mão..." (26). Ela rogou que sua bênção ("presentes") fossem aceitos, como prova do perdão de Davi (27). Atada no feixe dos que vivem (29). Uma figura derivada do costume de atar coisas valiosas numa saca, e que descreve o grande cuidado do Senhor por Davi. Este ficou profundamente comovido e bendisse a Deus por tê-lo salvo do crime que tencionava praticar, e bendisse Abigail por tê-lo livrado de vir com sangue (33).

>1Sm-25.36

3. MORTE DE NABAL E CASAMENTO DE ABIGAIL COM DAVI (#1Sm 25.36-44). Quando Abigail retornou ao Carmelo, onde havia um banquete, encontrou Nabal completamente embriagado. Mas na manhã seguinte, quando ela lhe relatou o perigo por que havia passado, suas violentas emoções provocaram-lhe um ataque de paralisia (37). Ele ainda viveu por mais dez dias, mas então faleceu, pois feriu o Senhor a Nabal (38). Era o julgamento de Deus, embora tivessem sido empregados meios naturais. A ação de Davi, casando-se com Abigail, estava de conformidade com o costume dos chefes orientais, os quais, quando desejavam uma certa mulher, mandavam-na buscar para o palácio e ela implicitamente obedecia. Também tomou Davi a Ainoã de Jezreel, para ser sua esposa (43) -isto é, da Jezreel perto de Maom. Dessa maneira Davi mostra que os costumes das cortes orientais já estavam começando a ser imitados em Israel. Enquanto reinou em Hebrom, Davi teve seis esposas (#1Cr 3.1-3).

1Sm-26.1

f) Gradual eclipse de Saul (1Sm 26.1-30.31)

1. NOVAMENTE DAVI SE ENCONTRA COM SAUL (#1Sm 26.1-25). Os acontecimentos deste capítulo são muito semelhantes aos de #1Sm 23.19-24.22, ainda que as ocasiões e as circunstâncias tenham sido diferentes. Ver o Apêndice II quanto a uma discussão detalhada sobre este ponto. Com grande ousadia Davi buscou o acampamento de Saul. Lugar dos carros (5), isto é, uma barricada feita com os vagões ou com a bagagem. O desejo de Abisai de matar Saul, por sua conta, era típico de um filho de Zeruia (6). Cfr. #2Sm 3.30. Mas, tal como anteriormente, em EnGedi, Davi se recusou a ferir o ungido do Senhor (10-11). Não obstante, ele ficou com a lança (símbolo da realeza) e com a bilha da água, da cabeceira de Saul (12; heb. "de sua cabeça"). Houve um elemento miraculoso no profundo sono do Senhor, que tinha caído sobre o rei e sobre as sentinelas (12). Não confiando em Saul, Davi se pôs ao longe, deixando uma boa distância entre si e o rei, do outro lado da profunda garganta, antes de gritar para ele (13). Davi argumentou que a tentação que assaltava Saul para persegui-lo talvez viesse da parte de Deus-aquele "mau espírito da parte do Senhor", anteriormente mencionado. Nesse caso, que Saul se achegasse a Deus com uma oferta (em heb., minhah, "oferta de suave odor"), e na religião ele encontraria a paz, pois Deus aceitaria sua oferta. Se, porém, Saul era impulsionado a agir levado pelas perversas calúnias dos homens, então que eles fossem malditos... perante o Senhor (19), pois haviam conseguido fazer com que Davi fosse expulso da sociedade com o povo de Deus.

>1Sm-26.19

Eles me têm repelido hoje para que eu não fique apegado à herança do Senhor... (19). Os críticos radicais há muito tempo têm visto aqui prova de que Davi acreditava que Jeová só podia ser adorado na terra santa. Têm tomado isso como uma das principais passagens para provar que, nos dias antigos, Jeová tinha sido apenas um deus tribal (exemplo, Wellhausen, Robertson Smith e outros). Segundo se acreditava, cada deus tinha sua própria terra: seu poder e adoração não se estendiam além de suas fronteiras. Isso certamente não se aplicava à religião de Israel, pois Abraão foi chamado por Deus na Caldéia, e adorou-O no Egito; Jacó foi protegido por Deus em Padã-Arã, e adorou-O no Egito; José igualmente serviu a Deus no Egito, e por Ele foi abençoado; Moisés operou suas grandes maravilhas por meio de seu Deus; Elias provou o poder de Deus fora da Palestina, no território de Sidônia, e depois em Horebe. Diz o professor James Orr: "Temos aprendido pelo próprio Stade aquilo que a história inteira ensina, que Jeová acompanhava Seus servos em suas peregrinações; como é que Davi poderia imaginar que sucedesse de modo diferente no seu caso?" (Problem of the Old Testament, pág. 132). Muitos dos salmos, com grande segurança atribuídos a Davi, demonstram, enfaticamente, que ele estava longe de considerar Jeová como mero deus tribal (conf. #Sl 8.9; #Sl 18.49; #Sl 68.31-32; #Sl 108.3; #Sl 110.6). É fantástico sugerir que quando Davi entrou na Filístia já não adorava mais a Jeová, ou que talvez adorasse a Dagom, o deus dos filisteus. Tudo quanto Davi pretendeu dizer, no versículo 19, é que seus inimigos o estavam banindo da terra onde se encontrava o tabernáculo de Jeová com sua adoração ordenada e seus sacrifícios. Em Israel havia lugares santos e sacerdotes dedicados ao serviço de Jeová. No período do Antigo Testamento a adoração dependia mais dessas considerações do que no nosso período do Novo Testamento, quando a adoração tem caráter muito mais espiritual. Davi sentia que ser impedido de reunir-se às associações religiosas de sua terra seria para ele uma tremenda perda espiritual. Era equivalente a obrigá-lo a "servir deuses estranhos". Mesmo hoje em dia (não obstante o sacerdócio de todos os crentes) o crente devoto sente como perda espantosa o ter de viver entre os pagãos, privado dos privilégios da adoração pública prestada pelos crentes e da associação com seus irmãos na fé. Além disso, tal situação tem o efeito de paralisar a alma. As palavras de Davi não precisam deixar-nos surpresos.

1Sm-31.1

g) Derrota e morte de Saul e Jônatas (1Sm 31.1-13)

Este capítulo, que prossegue na história iniciada no capítulo trinta, é quase idêntico, verbalmente, com #1Cr 10.1-12. A batalha foi desastrosíssima para Israel. O combate talvez tenha começado na planície de Jezreel. Os dardos do inimigo provocaram a devastação entre as fileiras israelitas. Estes tentaram concentrar-se no monte Gilboa, mas a causa estava perdida além de qualquer esperança. A Vulgata diz: "todo o peso da batalha foi dirigido contra Saul" (3). Mas o hebraico diz: "E a peleja se agravou contra Saul, e os frecheiros, homens armados de arco, encontraram-no, e ele foi gravemente ferido" (3). Cfr. o relato da morte de Saul, dado em #2Sm 1.6-10 e ver anotações ali. A armadura de Saul foi colocada no templo de Astarote (10), provavelmente o templo de Vênus, em Asquelom, descrito por Heródoto como o mais antigo dos templos da Vênus síria. Seu corpo, como os corpos de seus filhos, foram amarrados ao muro, na praça pública, em Bete-Seã, a moderna Beisan, anteriormente conhecida como Citópolis, a seis e meio quilômetros a oeste do rio Jordão (10-12). Os homens de Jabes-Gileade, porém, não se haviam esquecido de como Saul havia iniciado sua carreira militar, tendo livrado sua cidade de Naás, o amonita (#1Sm 11.1-13). Correndo grande risco, foram à noite até Bete-Seã e transportaram os cadáveres de Saul e de seus filhos por trinta e dois quilômetros até Jabes (12-13). Este capítulo apresenta um triste comentário sobre os frutos da desobediência de Saul contra Deus, e, no caso de Jônatas, um exemplo de como os pecados dos pais podem ser visitados nos seus filhos.

II SAMUEL

2Sm-1.1

IV. DAVI COMO REI. 2Sm 1.1-20.26

a) O pranto de Davi por Saul e Jônatas (2Sm 1.1-27)

1. DAVI MATA O AMALEQUITA QUE LHE TRAZ A NOTÍCIA DA MORTE DE SAUL (#2Sm 1.1-16). A divisão de Samuel em dois livros é artificial e não existia no texto hebraico. Continua-se aqui a narrativa dos últimos capítulos de 1 Samuel. (Ver introdução, na nota a #1Sm 1.1). Dois dias depois do regresso de Davi a Ziclague, após a grande vitória que se descreve em #1Sm 30, chega um homem do arraial de Saul (#2Sm 1.2) que dá a conhecer o trágico desastre de Gilboa (#1Sm 31) bem como a morte de Saul e seus filhos. Tal como o mensageiro portador de notícias igualmente terríveis (#1Sm 4.12-17) que chega a Silo e anuncia a Eli a vitória dos filisteus, este homem traz os vestidos rotos e terra sobre a cabeça (2). Trata-se de uma demonstração de dor convencionalmente adotada por todos os portadores de más notícias e a semelhança das narrativas é natural. Os acontecimentos são narrados em pormenor. Davi ficara dois dias em Ziclague; o homem chegou no terceiro dia; lançou-se no chão e inclinou-se porque sabia que Davi seria rei (1-3). O fato comprova a genuína e primitiva origem da narrativa. O homem era amalequita (8,13). Vinha do arraial de Saul, de acordo com o versículo 2, e no versículo 3 diz ele: Escapei do exército de Israel. Por estas palavras parece dar a entender a sua ligação com o exército de Saul. É possível que apenas seguisse o exército. Esta interpretação harmonizar-se-ia com o versículo 6 em que ele declara ter encontrado Saul por acaso na montanha de Gilboa. A casualidade dos seus movimentos parece sugerir não estar ele sujeito a rigorosa disciplina inerente ao serviço militar regular. No versículo 13 declara ser filho dum estrangeiro. A palavra ger (estrangeiro) refere-se a um indivíduo que, oriundo de outro país, não obstante beneficiava-se de um estado civil especial, que lhe conferia certos direitos. É inegável o profundo conhecimento que possuía do estado de coisas em Israel, nomeadamente das relações entre Saul e Davi e da probabilidade de que este subisse ao trono. O amalequita facilmente cobriria os 140 ou 150 km que separavam Gilboa de Ziclague em menos de três dias. A batalha estaria, pois, terminada, quando Davi regressasse à sua terra. No que diz respeito à morte de Saul o presente relato dos acontecimentos difere sensivelmente do que nos é feito em #1Sm 31. De acordo com #2Sm 1.6 carros e capitães de cavalaria apertavam com Saul ao passo que em #1Sm 31.3 Saul é alcançado por frecheiros. De que se lê em #1Sm 31.3-4 poder-se-ia concluir, se bem que sob certas reservas, que Saul fora ferido pelos frecheiros; #2Sm 1.6 descreve Saul como estando encostado sobre a sua lança. Podia estar ferido e precisamente por isso apoiado à lança, embora alguns comentadores afirmem que nada, nas descrições que dele se fazem, autoriza a suposição de que estivesse ferido. É uma interpretação pouco razoável. No que diz respeito à possibilidade de ferimentos, tanto a presente narrativa como a de #1Sm 31 harmonizam-se perfeitamente com #1Cr 10.3. Muito têm abusado destes pontos, os comentadores que procuram discrepância nos dois livros de Samuel. Por outro lado, Saul poderia ter sofrido muito às mãos dos frecheiros (#1Sm 31.3) aos quais, facilmente, se seguiriam carros e capitães de cavalaria (#2Sm 1.6). Se é certo que Gilboa situava-se numa região montanhosa, sabe-se, todavia, que muitos carros de guerra operavam em lugares de acesso identicamente difícil. Depois o amalequita conta como, a pedido do próprio Saul, matou-o ao ver que carros e capitães de cavalaria seguiam-no (6) e que uma grande angústia (heb. shabhas, entorpecimento, vertigem) se apoderara dele (9). Em #1Sm 31.4 Saul suicida-se, mas, em ambos os casos, o seu desejo é evitar cair vivo nas mãos do inimigo, que, sem dúvida, o torturaria e dele escarneceria impiedosamente. É o que mais acentuadamente se nos descreve em #1Cr 10.4.

>2Sm-1.10

Certos comentadores tiram indevida partida das discrepâncias existentes entre a narrativa do amalequita e a de #1Sm 31, atribuindo-as a narradores diferentes, que mutuamente se contradizem. O compilador, aparentemente incapaz de prever este resultado dá-nos, candidamente, as duas versões. O ponto em que a narrativa do amalequita contradiz, de fato, a de #1Sm 31 e #1Cr 10 é aquele em que ele declara ter morto Saul. E não é difícil perceber a razão por que o faz. Ele esperava, desse modo, conquistar o favor de Davi candidatando-se à estima e consideração daquele que, em breve, seria rei. Como prova do que fizera, trazia a coroa (lit. diadema) e a manilha (ou bracelete) de Saul (10). É legítimo supor que, passada que fora por ali a dura refrega, ele encontrasse o corpo do rei e o despojasse dos seus ornamentos para os ir entregar a Davi na esperança de farta recompensa e de muitas e grandes honrarias. Não vale a pena tentar harmonizar a narrativa do amalequita com a de #1Sm 31. Tratava-se de um homem pouco escrupuloso que deu à sua história a feição que, segundo ele supunha, melhor impressionaria Davi. Ao contrário do que alguns afirmam, esta interpretação não se choca com a passagem de #2Sm 4.9-11. O sentido desta é, como diz certo comentador, o seguinte: "Se eu matei em Ziclague aquele que declarou ter morto no campo de batalha, e a seu próprio pedido, o meu adversário Saul... quanto mais não requererei eu, de vossas mãos, o sangue deste homem justo que vós traiçoeiramente assassinastes em sua casa, na sua cama?"

>2Sm-1.11

Podemos aceitar como autênticos os fatos descritos em #1Sm 31 e #1Cr 10. Ao mesmo tempo a história do amalequita não é, em todo caso tão contraditória como certos comentadores mantêm. A reação de Davi foi muito diferente da que o amalequita esperava. Davi rasgou os seus vestidos como também todos os homens que estavam com ele (11). Todos prantearam (Heb. bateram no peito) choraram e jejuaram (12). Os versículos 11 e 12 mostram-nos, de maneira notavelmente clara, até que ponto a atitude de Davi influenciou os seus seguidores. Embora estivesse agora vago o trono que ele ocuparia, a derrota de Israel pelos incircuncisos, o massacre de Saul, o ungido do Senhor, e a morte do seu bem-amado Jônatas, enchiam-no de angústia. Para Davi, a pessoa do "ungido do Senhor" sempre foi sagrada (14. Cfr. #1Sm 24.6; #1Sm 26.9,11,16); e ordenou que se matasse o homem que confessava ter morto Saul. A sentença parece ter sido bem pesada uma vez que o homem não foi executado senão depois de terminado o jejum, o qual se prolongou até ao fim do dia.

>2Sm-1.17

2. O PRANTO DE DAVI POR SAUL E JÔNATAS (#2Sm 1.17-27). É esta uma das mais belas e comoventes odes que jamais se escreveram, plena de generosidade para com Saul que tão amargamente fizera sofrer Davi. A nossa versão chama-lhe pranto (17). Em hebraico a palavra é qinah, isto é, um cântico ou elegia fúnebre. (Cfr. #2Sm 3.33-34). Dizendo ele que ensinassem aos filhos de Judá o uso do arco. Leia-se: "Dizendo ele que ensinassem aos filhos de Judá o arco". A nossa versão deve estar incorreta uma vez que os judeus eram já peritos no uso do arco. Almeida insere a expressão "o uso de" e outra versão "a canção de". Nenhuma se encontra no texto hebraico. É hoje geralmente aceita a interpretação que identifica a elegia com "o arco". Era pois a elegia que devia ser ensinada aos filhos de Judá. O livro do Reto (18). Cfr. #Js 10.12-14; #1Rs 8.12 (Septuaginta). Este livro parece ter sido uma coletânea de baladas nacionais exaltando os feitos de heróis israelitas. Alguns investigadores relacionam o nome de Reto ou Jasher com Jesurum, denominação poética de Israel (cfr. #Dt 32.15).

>2Sm-1.19

Ah! ornamento de Israel! nos teus altos fui ferido (19). A palavra traduzida por ornamento é em hebraico Sebhi. quem traduza a palavra por "gazela" argumentando ser Jônatas conhecido por este nome. Não está comprovada a razão de semelhante argumento. Certa versão segue a Vulgata e toma "Israel" como vocativo: "A tua glória (sebhi), ó Israel, foi ferida nos teus altos". Outros investigadores recusam-se a aceitar "Israel" no vocativo e traduzem: "Ferida nos teus altos a glória de Israel, como caíram os valentes!" As muitas sugestões dos comentadores a propósito do versículo 19, pouco adiantam. A "glória" ou "ornamento" de Israel são designações metafóricas de Saul e Jônatas. Os versículos 20 e 21 são intensamente poéticos. O versículo 20 é, na Septuaginta: "Não publiqueis as boas novas". É uma versão correta. A Davi repele a simples idéia de que a grande humilhação nacional seja conhecida dos filisteus, cujas mulheres, de acordo com a tradição, acolheriam a notícia com cantares e danças. Gate e Ascalom eram cidades de importância. Nem... campos de ofertas alçadas (21), Heb. terumoth (cf. #Lv 7.14,32). A Vulgata traduz "campos das primícias", isto é, campos de milho como o que se utilizava nas ofertas alçadas. Como Gilboa não produz milho, a versão "Vós, florestas e montanhas de morte" tem sido aceita por alguns. Mas não se justifica a alteração uma vez que o objetivo poético é precisamente acentuar a desolação de Gilboa, a qual não pode produzir "ofertas". Aí desprezivelmente foi arrojado o escudo dos valentes, o escudo de Saul, como se não fora ungido com óleo (21). A Vulgata faz referir a unção a Saul. Trata-se, contudo, de uma versão que não está de harmonia com o hebraico onde se lê: "aí foi aviltado o escudo dos heróis: o escudo de Saul não ungido com óleo". A unção refere-se aqui ao escudo, de acordo com a tradição judaica de ungir os escudos com óleo antes da batalha (#Is 21.5) para os fazer brilhar. Agora esse escudo está profanado, coberto de sangue e de pó. O escudo de Saul é tomado como honroso emblema do chefe militar. Não se justifica, pois, a atribuição da unção a Saul.

>2Sm-1.23

Saul e Jônatas tão amados e queridos na sua vida (23) ou, de acordo com outras versões, "Saul e Jônatas eram deleitáveis e desejáveis na sua vida". Em hebraico os adjetivos são acompanhados de artigos. Por isso certos tradutores verteram: "Saul e Jônatas, os deleitáveis e desejáveis, inseparáveis na vida e na morte". A primeira versão é, contudo, apoiada pelas versões antigas e pela maioria dos comentadores. A Bíblia de Cambridge traduz "amantes e amáveis".

>2Sm-1.24

Vós, filhas de Israel (24). As mulheres haviam sido enriquecidas por Saul que as cobrira de preciosos ornamentos. Essas mulheres haviam já celebrado, com danças, as suas vitórias. Chegara agora o momento de chorarem. Era um apelo adequado a ocasião. Como caíram os valentes (25). Leia-se: "Como caíram os heróis" -comovente refrão dos versículos 19,25 e 27 que empresta gravidade e força a toda a elegia. Alguns comentadores invocam a irremediável deturpação da elegia no texto hebraico. Mas muitas das emendas por eles propostas apenas nos criam novas dificuldades. Estivera o texto tão corrompido como eles afirmam, a elegia não chegaria até nós tão incomparavelmente bela e pungente. Tem-se observado que o poema se caracteriza por uma absoluta ausência de sentimento religioso, que são puramente humanos os sentimentos nele expressos. A tal interpretação passa, contudo, despercebido o extraordinário amor a Saul-um inimigo -,a sublime emoção que permeia todo o poema, o profundo respeito a Saul simplesmente porque ele fora o rei ungido de Deus. O amor a Jônatas é um amor quase ímpar entre os homens. O poema não revela sentimentos religiosos: os sentimentos que nele se exprimem são cristãos. Mais não se poderia pedir.

2Sm-2.1

b) Davi proclamado rei em Hebrom e o seu reino em Jerusalém (2Sm 2.1-5.25)

1. DEUS CONDUZ DAVI A HEBROM ONDE ELE É ACLAMADO REI DE JUDÁ (#2Sm 2.1-7). Davi procura a direção de Deus antes de agir. Deus manda-o a Hebrom (1) lugar fácil de defender e que tem, para Davi, muitas e sagradas recordações. Também lá se encontravam muitos dos seus amigos (cfr. #1Sm 30.26-31). A súbita evolução dos acontecimentos não permitia que se demorasse em Ziclague. Em breve Judá ungia-o rei da sua tribo (4). Davi fora já secretamente ungido por Samuel (#1Sm 10.1) e seria mais tarde ungido rei por todo o Israel (#2Sm 5.3). A mensagem que Davi enviou aos homens de Jabes-Gileade era ditada pela genuína admiração que a sua ação lhe inspirara (cf. #1Sm 31.11-13) mas tinha também um alcance político na medida em que tacitamente os convidava a porem-se do seu lado (5-7).

>2Sm-2.8

2. ABNER FAZ IS-BOSETE REI DE ISRAEL (#2Sm 2.8-11). Abner era primo de Saul, capitão do exército e, logicamente, o defensor da casa de Saul. Embora soubesse que Davi fora ungido por Deus para ser rei de Israel, proclamou Is-Bosete sucessor de Saul. As relações de Davi, com Aquis, de Gate, tinham, sem dúvida, levantado fortes suspeitas contra ele. De acordo com o versículo 10 Is-Bosete devia ter 35 anos de idade quando seu pai morreu. Jônatas, seu irmão mais velho, seria, por conseguinte, mais idoso do que geralmente o imaginamos. O reinado de dois anos de Is-Bosete conta-se, sem dúvida, a partir da altura em que foi constituído rei sobre todo o Israel.

>2Sm-2.12

3. A BATALHA DE GIBEOM E A PERSEGUIÇÃO DE ABNER (#2Sm 2.12-32). Maanaim estava ainda em poder de Is-Bosete mas o objetivo era Gibeom, cidade estreitamente ligada à memória de Saul, 8 km a noroeste de Jerusalém. (Cf. #Js 10.2; #Js 9.3; #Js 21.17; #2Sm 20.5-10; #2Cr 1.3,5). Aqui, junto ao tanque de Gibeom doze homens de Is-Bosete lutaram com doze homens de Davi (13-15). O divertimento que a luta constituiu para ambos os partidos prova bem a indiferença que a vida lhes merecia. O encontro foi renhido e impiedoso e nele pereceram os vinte e quatro combatentes (16). Ao indecisivo combate segue-se uma peleja entre os dois exércitos, que termina com a fuga e a dispersão dos homens de Abner (17). Asael, o mais jovem dos três filhos de Zeruia, estava decidido a conquistar a glória de matar Abner. Era ligeiro de pés como uma cabra montesa (18 Lit. gazela) mas não passava de um adolescente. Abner, num gesto magnânimo, tenta convencê-lo a contentar-se com os despojos de um dos mancebos (21). Mas ele recusa-se a desistir e acaba por ser morto. Abner consegue, habilmente, reagrupar os seus homens formando uma falange no cume de um outeiro (25); depois convida Joabe a desistir da luta: Consumirá a espada para sempre? (26). A guerra fratricida fora começada por ele, Abner; mas tinha razão ao dizer que continuar a lutar era apenas prolongar e intensificar a amargura. Joabe tocou a buzina e a perseguição cessou. E caminharam Abner e os seus homens toda aquela noite pela planície, área desértica que se estende pelo vale do Jordão, atravessaram todo o Bitrom, região em que, segundo parece, abundavam as ravinas, e regressaram a Maanaim (29). Abner perdera 360 homens, ao passo que Joabe perdera apenas 20 (30-31).

2Sm-6.1

c) A arca é trazida para Sião-Davi vence os seus inimigos (2Sm 6.1-11.1)

1. DAVI TRAZ A ARCA DE QUIRIATE-JEARIM (#2Sm 6.1-5). Ver Apêndice 1, em "A Arca do Concerto". Após a consolidação nacional, Davi, ansioso por concentrar a sua atenção na casa de Deus, decide, ajudado por 30.000 homens, trazer a arca de Deus de Baalim de Judá (isto é, Quiriate-Jearim) onde estivera quase oitenta anos (cf. #1Sm 6.21; #1Sm 7.1-2). #1Cr 13.1-5 relata-nos os cuidadosos preparativos nacionais a que se procedeu para o transporte da arca.

>2Sm-6.6

2. UZÁ É MORTO (#2Sm 6.6-11). A eira de Nachom (6), onde se deu este terrível acontecimento, é também chamada a eira de Quidom em #1Cr 13.9. É muito possível que, tal como ainda hoje acontece, o lugar tivesse dois nomes. Certos comentadores sugerem que Nachom não seja um nome próprio mas a designação de uma "eira fixa", isto é, que não mudasse de lugar, talvez com telhado. Este sentido fundamenta-se no particípio passivo (Niphal) do verbo kun. Parece melhor considerar Nachom como nome próprio. Analogamente sugeriu-se já que "Quidom" (#1Cr 13.9) signifique "eira da destruição". Quando os bois "tropeçaram" (versão possível do vers.

6) e a arca esteve em perigo de cair, estendeu Uzá a mão à arca de Deus e teve mão nela (6). Então se acendeu a ira do Senhor e Deus o feriu por esta imprudência (7). #1Cr 13.10 diz-nos simplesmente: e o feriu por ter estendido a sua mão à arca. Ao contrário do que alguns têm afirmado, não existe qualquer contradição entre esta passagem e a de #2Sm 6.7. Trata-se de uma descrição que completa a outra.

Considera-se freqüentemente excessivo o castigo de Uzá uma vez que a sua intenção era boa. A arca simbolizava a presença de Deus e, de acordo com a lei, deveria inspirar a mais profunda reverência; era transportada por meio de varais e argolas para que não tivesse de ser tocada (#Êx 25.14-15. Cf. #Nm 4.15,20) Era a arca que simbolizava a majestade do Deus Santo. E essa infinita santidade tinha de ser ensinada aos israelitas ainda que por meio de "atos terríveis". A arca estivera na casa de Abinadabe por um período de setenta a oitenta anos. Seu filho Eleazar fora consagrado "para que guardasse a arca do Senhor" (#1Sm 7.1). Uzá e Aiô seriam filhos de Abinadabe no sentido mais lato de "descendentes" -neste caso netos. Tendo tido a arca em seu poder durante tanto tempo, natural seria que tivessem aprendido os sagrados regulamentos que lhe diziam respeito. A narrativa mostra, contudo, que nem eles nem Davi nem os seus conselheiros atendiam a esses regulamentos embora tivessem a cooperação de sacerdotes e levitas (#1Cr 13.1-8).

A lei levítica impunha que a arca fosse transportada por levitas que, contudo, não deviam aproximar-se dela antes que os sacerdotes a cobrissem; e ao transportá-la deviam servir-se de varais para não lhe tocarem; quem lhe tocasse morreria (cf. #Nm 4.5,15,19-20. Ver também #1Cr 15.2). O que eles fizeram naquela ocasião estava, afinal, de harmonia com o extraordinário abandono a que haviam votado à arca durante tantos anos. Sugere-se que tamanha negligência se devesse à circunstância provável de estar Quiriate-Jearim sob a suzerania dos filisteus, embora fora do seu território. A ser isto verdade (o que não é certo) Saul devia ter recuperado a arca depois das suas esmagadoras vitórias sobre os filisteus. Pelo menos assim seria de esperar. Mas a arca, esse sagrado símbolo da presença de Deus, estava quase esquecida em Israel. É possível que à morte de Uzá não fossem estranhos certos fatores que, a serem conhecidos, modificariam por completo o quadro; por exemplo, o fato de toda a sua vida ter conhecido a arca, aliado à geral indiferença da comunidade perante a mesma, bem poderia ter gerado nele sentimentos de excessiva familiaridade. A confirmar esta idéia diz-se-nos que Deus abençoou a casa de Obede-Edom (12) por causa da arca, embora esta ali estivesse apenas três meses, ao passo que não se menciona ter Deus abençoado a casa de Abinadabe, onde a arca permanecera quase oitenta anos. O fato é muito significativo.

>2Sm-6.8

Perez-Uzá (8). Certo crítico mantém que Davi e os seus homens, tendo ganho grandes vitórias sobre os habitantes de Sarepta e de Reobote (cf. #2Sm 5,21,23), originalmente chamaram a este lugar Zarephath-’azzah, nome que, deturpando-se, se transformou em Perez-Uzá. Depois a palavra Perez, deturpação da original, passou a sugerir castigo divino. O passo seguinte consistiu em inventar uma pessoa de nome Uzá. Trata-se de uma dedução inteiramente gratuita que em nada se baseia. Um outro comentador considera histórica esta narrativa e interpreta o castigo de Uzá como conseqüência da sua não observância dos mandamentos divinos. E Davi se contristou (8). Noutra versão a expressão é: "E Davi se desagradou", isto é, Davi se encolerizou. Foi esta a sua primeira reação uma vez que ele próprio tomara parte nos improvisados preparativos para o transporte da arca. Depois, ao compreender todo o significado da ocorrência, a sua ira transformou-se em temor de Deus (9). Deixou ficar a arca em casa de Obede-Edom, o geteu (10-11). Obede-Edom era coraíta, um ramo da família de Coate (#Êx 6.16,18,21; #1Cr 26.1-4; #Nm 16.1). Chamavam-lhe geteu porque era de Gate-Rimom, cidade levítica (cf. #Js 21.24-25). A arca fora transportada através do deserto por coraítas, pelo que era próprio que ficasse agora entregue aos cuidados de um homem da mesma tribo. O nome Obede-Edom (servo de Edom) sugere que a família tivesse, em qualquer época, servido os edomitas.

>2Sm-6.12

3. A ARCA É TRAZIDA PARA SIÃO (#2Sm 6.12-19). Três meses depois Davi vai buscar a arca e trá-la, cheio de alegria, para a sua cidade (12). Desta vez a lei é observada (13). Com a aprovação de Deus oferecem-se sacrifícios de louvor e de ações de graças (cf. #1Cr 15.25-29). Colocaram a arca na tenda que Davi preparara para ela. O tabernáculo propriamente dito ainda estava em Gibeom (#1Cr 16.39). Foi um dia de grande e solene regozijo. Ofereceram-se holocaustos como reverente dedicação ao Senhor e fizeram-se ofertas pacíficas do que se alimentou sacrificialmente todo o povo (#2Sm 17.18; cf. #Lv 7.15).

>2Sm-6.20

4. MICAL É SOLENEMENTE REPREENDIDA (#2Sm 6.20-23). Mical, no seu orgulho, considerou degradante a forma como o rei demonstrava a sua alegria-Davi ia bailando e saltando diante do Senhor -e falou-lhe sarcasticamente (16,20). A réplica é cortante: "Foi perante o Senhor, que me preferiu a teu pai... sim, foi perante Ele que dancei" (21). Davi não considerava humilhante nada que fosse feito para glória de Deus (22). Para a mulher oriental a esterilidade (23) era a mais severa das condenações (cf. #Gn 30.1; #1Sm 1.5. Ver também #1Sm 19.11-17n).

2Sm-11.2

d) O pecado de Davi e a repreensão de Natã (2Sm 11.2-12.25)

1. O ADULTÉRIO DE DAVI COM BATE-SEBA (#2Sm 11.2-13). Se fosse necessário provar a franqueza e isenção com que a Bíblia descreve os pecados dos servos de Deus a fim de que eles sirvam de aviso a outros (#1Co 10.11-12), o caso de Davi fornecer-nos-ia excelente exemplo. Nem a elevada posição do rei autoriza a supressão dos fatos-grande testemunho à verdade das Escrituras. A terrível queda de Davi dá-nos uma lição de inestimável valor: mostra-nos que até o maior dos pecadores pode ser perdoado se é verdadeiro o seu arrependimento. Não fora este pecado, o #Sl 51, tão consolador para a alma penitente, nunca teria sido escrito. E disseram (3) Heb. "E disse consigo". Segundo parece, Davi ouvira já falar da beleza de Bate-Seba. Urias (3) era um dos mais corajosos homens do reino, incluído na lista dos "valentes" (#2Sm 23.39). Embora heteu de raça, aceitara a verdadeira religião, como demonstra o seu nome "luz de Jah". O procedimento de Davi ao mandar buscar Bate-Seba era característico dos monarcas orientais, mas completamente indigno de um homem de Deus. Esse primeiro passo errado conduziu à dissimulação, à hipocrisia, à ingratidão e por fim ao homicídio (cf. #Tg 1.15).

>2Sm-11.14

2. URIAS É ABOMINAVELMENTE ASSASSINADO (#2Sm 11.14-25). A traição de Davi atinge o auge quando ele ordena a Urias que entregue a Joabe uma carta na qual se contém a sua sentença de morte. De acordo com as instruções recebidas, Joabe observa bem a cidade e coloca Urias no ponto mais perigoso. Aí morreu o bravo e nobre soldado cuja morte se destinava a encobrir a perversidade de Davi. Joabe esperava que Davi criticasse a tática militar seguida, mas estava certo de que a notícia da morte de Urias em breve o apaziguaria. Abimeleque, filho de Jerubesete (isto é, Gideão); ver #Jz 9.53. A Septuaginta atribui os versículos 20 e 21 à réplica de Davi. É possível que tenha havido erro do copista na colocação das palavras, visto que é estranho que Joabe antecipasse a resposta de Davi em tal minúcia. A referência prova quão bem se conhecia, nos dias de Davi, a história do tempo dos juízes.

>2Sm-11.26

3. BATE-SEBA TORNA-SE MULHER DE DAVI (#2Sm 11.26-27). É provável que o luto de Bate-Seba fosse puramente formal; de acordo com a tradição manter-se-ia durante sete dias. Com uma pressa a todos os títulos indecorosa, Davi recolhe-a em sua casa o torna-a sua mulher. O episódio deixa uma indelével marca no caráter de Davi e é o princípio de uma angústia que o perseguiria toda a vida. Bate-Seba é sua pronta e alegre cúmplice. Era ambiciosa e a sua ascendência sobre Davi manteve-se até ao fim (cf. #1Rs 1.11-31).

2Sm-12.1

4. A PARÁBOLA DE NATÃ (#2Sm 12.1-6). A consciência de Davi permaneceu adormecida quase um ano até que o profeta Natã o visitou. O ignóbil procedimento do homem rico ao apropriar-se da cordeira do homem pobre que tanto a amava, mantendo intacto o seu grande rebanho, causou profunda impressão em Davi. O pecado do homem enraivecia-o e estava pronto a condená-lo impiedosamente sem ver a enormidade daquele outro crime, incomparavelmente maior, que ele próprio cometera. Davi declara esse homem digno de morte (5) ou, segundo uma versão literal, "filho da morte" e sujeito à lei segundo a qual deverá restituir o quádruplo do que roubou. (#Êx 22.1).

>2Sm-12.7

5. O PROFETA MOSTRA A DAVI O SEU PECADO E ELE ARREPENDE-SE (#2Sm 12.7-14). As palavras de Natã fazem-nos lembrar as de Samuel ou Elias ao denunciarem severamente as transgressões reais. São como setas que vão direitas ao coração do rei. Tu és este homem (7). Ao cometer um adultério e depois um homicídio, Davi transgredira duplamente o Decálogo; e usar a amaldiçoada espada dos filhos de Amom fora outro pecado. O castigo de Davi seria digno da ofensa cometida. A profecia cumpriu-se com o assassinato de Amnom (#2Sm 13.15), com a morte de Absalão (#2Sm 18.14) e com a execução de Adonias (#1Rs 2.25). As suas concubinas foram publicamente tomadas por Absalão perante os olhos de todo o Israel (#2Sm 16.22). A sua quebra de caráter não deixaria de se refletir, na família, de forma que o mal que o atingiu partiu da sua própria casa (11). Davi confessou francamente o seu pecado contra Deus e apesar da sentença que sobre si próprio pronunciara ao considerar digno de morte o homem da parábola de Natã, Deus foi misericordioso para com ele e poupou-lhe a vida (13). Os #Sl 32 e 51 são uma expressão da sua contrição.

>2Sm-12.15

6. A MORTE DA CRIANÇA (#2Sm 12.15-23). O primeiro castigo foi a morte do filho que lhe dera Bate-Seba. A sua apaixonada intercessão pelo menino (16-17) -invulgar num monarca oriental em relação a uma criança do harém-revela-nos de novo a ternura de que o seu coração é capaz. Depois de lhe morrer a criança, Davi entrega tudo nas mãos de Deus (20-23). É clara a sua crença na imortalidade.

>2Sm-12.24

7. NASCE SALOMÃO (#2Sm 12.24-25). Salomão (24) significa "pacífico". No hebraico o nome é Shelomoh e na Septuaginta Salomom. Deus ordenou a Natã que desse à criança um segundo nome, Jedidiah (25), que quer dizer "amado de Jah"; o nome tem a mesma raiz que o de Davi e representava uma garantia do favor de Deus para com o pai e o filho.

>2Sm-12.26

e) A Fuga de Absalão; sua rebelião e morte (2Sm 12.26-18.33)

1. RABÁ É TOMADA (#2Sm 12.26-31). Retoma-se a narrativa iniciada no capítulo #2Sm 11.1. E tirou a coroa da cabeça do seu rei (30). A palavra malkam, traduzida por "seu rei" pode facilmente referir-se a Milcom, o ídolo nacional que conhecemos pelo nome de Moloque (cf. #Sf 1.5; #Jr 49.1,3). É por conseguinte discutível se a coroa que Davi tomou era a de Hanum ou a de Moloque. Um talento correspondia a cerca de 45 kg, o que a tornava demasiadamente pesada para ser usada por um rei, a não ser por breves instantes (30). O pôs às serras (31). Leia-se como em #1Cr 20.3 "e os fez serrar com a serra" (cf. #Hb 11.37) -horrorosa crueldade dos tempos antigos. As talhadeiras de ferro (31) eram, na realidade, instrumentos armados de aguçadas pontas, espécie de picões que se destinavam a picar ou sachar o milho. O forno de tijolos (31) pelo qual os israelitas fizeram passar os seus inimigos era uma réplica àqueloutra crueldade dos filhos de Amom: a oferta ao seu deus Moloque de sacrifícios humanos, sacrifícios queimados.

2Sm-19.1

f) O regresso de Davi e a revolta de Seba (2Sm 19.1-20.26)

1. JOABE REPREENDE O REI PELAS SUAS LAMENTAÇÕES (#2Sm 19.1-8). A grande vitória (2, Lit. "livramento") daquele dia transformou-se em tristeza para todo o povo devido à angústia do rei. O povo entrava às furtadelas na cidade "com os que arruinam a sua reputação, fugindo da batalha" (heb. do verso 3). A repreensão do brusco e brutal Joabe tinha, na verdade, razão de ser.

>2Sm-19.9

2. O REGRESSO DO REI (#2Sm 19.9-15). A nação estava tristemente dividida em facções partidárias. Davi aguardou, sabiamente, um movimento restaurador, sabendo que uma reeleição intensificaria muito a sua autoridade. Israel foi a primeira tribo a movimentar-se (9-10). Judá tomara parte ativa na revolta e retraía-se (11). Por intermédio de Zadoque e Abiatar, Davi procura, diplomaticamente, conseguir o apoio desta poderosa tribo-a sua. Por que seriam eles os últimos a desejar que o rei voltasse? (11-12). Judá foi inteiramente conquistada pelas palavras do rei (14-15) e de tal maneira este se deixou absorver por aquela tribo que as outras se sentiram gravemente ofendidas (41-43). A semente da desconfiança e da divisão vingava já entre Judá e as outras tribos.

>2Sm-19.16

3. VÁRIAS INDIVIDUALIDADES SAÚDAM O REI NO SEU REGRESSO (#2Sm 19.16-43). Entre os primeiros que apareceram a saudar o rei quando este se preparava para atravessar o Jordão estavam duas desprezíveis criaturas: Simei e Ziba que assim se propunham insinuar-se no espírito do rei (16-18). Simei penitencia-se humildemente da sua culpa e aparenta uma sinceridade a todos os títulos duvidosa (19-20). Abisai de bom grado o teria morto (cf. #2Sm 16.9) mas Davi recusou-se a matar quem quer que fosse naquele alegre dia (22) e jurou a Simei poupar-lhe a vida (cf. #1Rs 2.8-9). Mefibosete (24) é recebido friamente por Davi, que acreditava ainda nas calúnias levantadas por Ziba, mas apresenta explicações que, pelo menos parcialmente, satisfazem o rei. Todavia, o encontro não decorreu feliz para Mefibosete e a decisão tomada pelo rei está longe de ser satisfatória (29). Nesta entrevista é a atitude de Mefibosete, e não a do rei, que nos impressiona favoravelmente. Tudo nos predispõe a favor de Barzilai (31-39) -a sua avançada idade, a alta posição que ocupa, a firme lealdade para com o rei, a graça e galantaria com que o acompanha na travessia do Jordão, a sua recusa em aceitar um lugar na corte e o desejo de ser sepultado junto aos seus nas montanhas de Gileade.

2Sm-21.1

V. OS ÚLTIMOS ANOS DO REINADO DE DAVI (2Sm 21.1-24.25)

Os capítulos 21-24 são formados de seis apêndices ao segundo livro de Samuel a fim de que se não interrompa a história de Davi.

a) A fome e a vitória sobre os filisteus (2Sm 21.1-22)

1. TRÊS ANOS DE FOME (#2Sm 21.1-10). Desejando saber a razão dos três anos de fome Davi consultou ao Senhor (1, Lit. "procurou a face do Senhor") e descobriu que a provação tinha, como causa, o massacre dos gibeonitas levado a cabo por Saul. Não se faz qualquer referência ao tempo ou às circunstâncias em que se deu esse massacre. Em oposição ao juramento prestado por Israel em #Js 9.3,6,15, Saul atacara-os; o castigo que sobrevem à nação constitui terrível exemplo da responsabilidade que coletivamente e nacionalmente se assume ao firmar um pacto. Os cinco filhos da irmã de Mical (8). Segundo #1Sm 18.19 é Merabe, outra das filhas de Saul, que é dada em casamento a Adriel. Mical, como sugere o Targum, pode ter criado os filhos do seu cunhado. A ação de Rispa ao erguer uma tenda, vigiando constantemente os corpos para que nem as aves do céu nem os animais do campo lhes fizessem dano, é comovedoramente bela (10).

>2Sm-21.11

2. ENTERRO DOS OSSOS DE SAUL E DE JÔNATAS (#2Sm 21.11-14). Davi parece ter ficado impressionado com o exemplo de Rispa e querendo prestar homenagem aos ossos de Saul e de seu filho, fá-los trazer do obscuro sepulcro de Jabes-Gileade, em que repousavam (cf. #1Sm 31.11-13; #2Sm 2.4) e enterra-os com honras públicas na sepultura de família em Zela, na terra de Benjamim, juntamente com os ossos dos sete enforcados. Com esse ato, Davi parece querer demonstrar que os enforcamentos não tinham resultado de qualquer ressentimento pessoal contra a casa de Saul.

>2Sm-21.15

3. GRANDES PELEJAS CONTRA OS FILISTEUS (#2Sm 21.15-22). Não se regista a altura em que se deram estes acontecimentos. É possível que a descrição tenha sido copiada de algum registo oficial de grandes e heróicos feitos; a fonte semelhante se deriva também a passagem de #2Sm 23.8-39. Todos estes feitos se dirigem contra os filhos ou progênie (Heb. yaldhe) do gigante (Heb. ha-Raphah) (16,18,20,22). A palavra Rapha (Haraphah com artigo) pode ser o nome próprio de uma raça de gigantes chamada dos refains (cf. #Gn 14.5; #Gn 15.20; #2Sm 5.18). Os filhos que aqui se mencionam são diferentes dos nefilim ou "gigantes" (#Gn 6.4; #Nm 13.33), e dos filhos de Enaque (#Nm 13.28,33; #Dt 9.2; #Js 15.13-14) para cuja referência se usa a palavra nefilim. É provável que no versículo 17 a versão correta seja: "e ele (Davi) feriu o filisteu e o matou", versão que se harmoniza com o versículo 22. Desse momento em diante o povo recusou-se a consentir que Davi tornasse a arriscar a vida, pois que esta era, para eles, como a lâmpada de Israel (17). Elanã, filho de Jaaré-Oregim... (19). Certa versão acrescenta "O irmão de", expressão que antepõe ao nome de Golias a fim de fazer coincidir a descrição com a de #1Cr 20.5; mas a inserção não é apoiada por nenhuma das versões antigas. Em #1Cr 20.5, o texto é: "e Elanã, filho de Jair, feriu a Lami, irmão de Golias o geteu". Levanta-se, pois, a importante questão sobre qual dos textos estará correto-o de Samuel ou o de Crônicas. Os comentadores liberais mantêm que não é histórico o episódio relatado em #1Sm 17, segundo o qual Davi mata o gigante Golias. Baseiam a sua afirmação em #2Sm 21.19 que atribui a morte de Golias a Elanã. Como réplica, asseveram alguns terem existido dois Golias; o fato é improvável se bem que, por estranho que pareça, houvesse dois Elanãs, ambos de Belém (cf. #2Sm 23.24). Da mesma maneira poderia haver dois Golias de Gate, um morto por Davi e outro por Elanã. Trata-se, contudo, de uma explicação pouco satisfatória. Não há, na verdade, dúvida de que a descrição de #1Cr 20.5 é exata e de que Elanã matou Lami, irmão de Golias. Em #2Sm 21.19 há dois erros evidentes, dois erros de copista. O versículo termina com a palavra oregim, isto é, "tecelãos". No hebraico a palavra é "órgão de tecelãos" (pl.) não "órgão de tecelão". Ora, a palavra oregim aparece no meio do verso no nome Jaaré-Oregim. O nome Jair de #1Cr 20.5 é sem dúvida preferível a Jaaré. O copista teria visto oregim no fim do versículo e escrevê-lo-ia depois do nome de Jair. Depois transpôs as letras hebraicas de Jair, que ficou Jaaré-concordância pedida pelas leis, da gramática hebraica. Por outro lado, no texto hebraico da passagem de Samuel, as palavras "belemita" e "Golias" aparecem juntas (beth halachmi’eth golyath hagitti) e assemelham-se muito de perto às palavras de Crônicas "Lami, irmão de Golias" (’ eth lachmi ‘achi golyath hagitti). Os especialistas concordam que um dos textos é uma deturpação do outro mas hesitam em decidir-se por um. O fato de ter o copista errado em Jaaré-Oregim mostra estar a deturpação em #2Sm 21.19 e não constituir #1Cr 20.5 uma tentativa para desfazer a suposta discrepância entre #2Sm 21.19 e #1Sm 17 onde se relata a morte de Golias por Davi.

Certo comentador faz uma longa exposição, com a qual pretende justificar a seguinte tradução de #2Sm 21.19: "Elanã, filho de Jessé, o belemita, feriu Golias...". Segundo uma velha tradição judaica, preservada no Targum e aceita por S. Jerônimo, Elanã era outro nome para Davi. Infelizmente não existem provas de que assim fosse. A aceitação do texto hebraico de #1Cr 20.5 como sendo o correto, tende a destruir a interpretação dos comentadores que vêem afirmações contraditórias em #1Sm 17 quanto à parte tomada por Davi.

2Sm-22.1

b) O cântico de Davi em ação de graças (2Sm 22.1-51)

Este cântico é o mesmo do #Sl 18, apenas com ligeiras variantes. Foi escrito pouco depois de Davi subir ao trono de Israel. Expressa gratidão especial pelo livramento das mãos de Saul, seu principal inimigo, e pelas vitórias obtidas sobre os filisteus, moabitas, sírios, amonitas e edomitas (44-46. Cf. #2Sm 8.1-14). Os versículos encontram-se individualmente comentados no livro dos Salmos que se consultará para o efeito. As ligeiras variações existentes entre este capítulo e o #Sl 18 explicam-se pelo fato de representar este capítulo o texto original mais tarde adaptado por Davi, a fim de poder ser cantado no templo com acompanhamento musical. Notemos como a longa permanência de Davi nos lugares desertos, como fugitivo, empresta colorido à linguagem do cântico. Deus era o seu rochedo (2, "penhasco". Cf. #1Sm 23.25,28), o seu lugar forte (2, "fortaleza". Cf. #1Sm 23.14,19,29; #1Sm 24.2). A freqüente necessidade de se abrigar entre as rochas lembrava-lhe que Deus era o seu refúgio e o seu Salvador (3). As torrentes da montanha (5); o tremor de terra (8); o vento (11); as nuvens escuras (12); os relâmpagos e os trovões (13-15) -de tudo isto ele se serve para tornar mais vívido e real o extraordinário quadro que nos pinta. E as imagens sucedem-se, na mesma cadência e riqueza de expressão até ao fim do cântico.

2Sm-23.1

c) As últimas palavras de Davi (2Sm 23.1-7)

Estas são as suas últimas palavras (1) do cântico e não do #Sl 18 (cf. capítulo anterior) escrito num tempo mais recuado. Pensam alguns que essas últimas palavras são as últimas como autor inspirado (ver versículo 2). A palavra hebraica ne’um do versículo 1-na nossa versão diz mas nalgumas outras "disse" -é a palavra sempre usada para exprimir palavras de inspiração divina (#Nm 24.3-4,15-16; #Pv 30.1). O cântico situa-se, pois, no plano mais elevado. Em breves e poéticas expressões, Davi descreve o dominador ideal (3-4); ele será justo, andará no temor de Deus, trará bênção ao seu povo. Davi não atingiu essa perfeição; contudo Deus estabeleceu com ele um concerto eterno (5), do que se depreende que esse dominador justo sairá, brotará da sua casa. Cf. #Jr 33.15-16. Quão diferente é o destino dos ímpios (6-7), quão diferente a sorte que os espera!

>2Sm-23.8

d) Um catálogo dos heróis de Davi (2Sm 23.8-39)

A lista corresponde à de #1Cr 11.11-41 em que se mencionam os grandes homens que ajudaram Davi a conquistar o trono e a tomar Sião. No versículo 8 leia-se, segundo #1Cr 11.11, "Jasobeão, hacmonita" em vez de Josabe-Bassebete; e leia-se, também de acordo com #1Cr 11.11, "brandindo a sua lança" em vez de este era Adino o esnita (8); omita-se, portanto, a referência a Adino (ver #1Cr 12.6; #1Cr 27.2 sobre Jasobeão). Jasobeão era o principal dos primeiros três-sendo os outros dois Eleazar que, em situação difícil e sozinho feriu os filisteus até lhe ficar a mão pegada à espada (9-10) e Samá que, também só, feriu uma multidão de filisteus defendendo um pedaço de terra cheio de lentilhas e obtendo, por fim, uma grande vitória (11-12). São estes os primeiros três. Aparece depois um segundo grupo de três -Abisai, Benaia e um herói cujo nome não se menciona-talvez Amasa (13, Cf. #1Cr 11.15-16). Os trinta valentes mencionados nos versículos 24-39 parecem ter formado uma espécie de legião de honra. A lista apresenta algumas diferenças em relação à de #1Cr 11.26-41, talvez por ter sido elaborada em épocas diferentes. Em #1Cr 11.41-47 mencionam-se mais dezesseis nomes, talvez os daqueles que entraram para a legião por morte dos membros originais. O total dos valentes é de trinta e sete (39) -três pertencentes à primeira classe, três à segunda e trinta e um à terceira. Joabe, como chefe supremo, não se inclui nestas listas.

2Sm-24.1

e) O censo e a praga (2Sm 24.1-25)

1. DAVI FAZ O RECENSEAMENTO DA POPULAÇÃO (#2Sm 24.1-9). Segundo parece a nação ofendera já muito a Deus (1) e o pecado de Davi, ao contar o povo, torna-se o pretexto para uma punição geral. Deus, para provar o caráter de Davi, permite que este seja tentado. De acordo com #1Cr 21.1 "Satanás se levantou contra Israel e incitou Davi a numerar Israel". O recenseamento levado a cabo por Davi tinha por motivo o orgulho e o desejo de grandeza. Davi insistiu em contar o povo apesar dos solenes avisos de Joabe e do conselho dos seus oficiais. A atitude de Joabe conta muito a seu favor (3, Cf. #1Cr 21.3). Demonstra as excelentes qualidades que possuía se bem que estas fossem largamente anuladas pela sua ambição, crueldade e espírito dominador. Joabe e os seus homens cumpriram fielmente as ordens que o rei insistia em dar-lhes contra o seu bom aviso (4). Dentro de nove meses e vinte dias (8) voltaram a Jerusalém com o resultado do censo: Israel possuía 800.000 homens capazes de prestar serviço militar e Judá 500.000. Os resultados diferem dos apresentados em #1Cr 21.5, segundo os quais Israel possuiria 300.000 a mais e Judá 30.000 a menos. Muitos comentadores explicam a diferença atribuindo-as simplesmente a erro do texto ou da tradição oral. Muitas podem ser as explicações das discrepâncias, entre as quais as seguintes: 1. podem ter-se feito duas contagens, uma para as listas particulares das várias comunidades que se mencionam em Crônicas, e a outra para os registos públicos; 2. #2Sm 24.9 pode não incluir as tribos de Benjamim e Levi, tribos que seriam incluídas em #1Cr 21.5; #1Cr 3. Crônicas pode incluir os homens não israelitas das dez tribos; 4. o exército regular de 288.000 homens (#1Cr 27.1-15) pode incluir-se no número dado em 1Cr para Israel e excluir-se em 2Sm; e os 30.000 homens comandados pelos trinta heróis (#1Cr 11.25) podem estar incluídos em Judá, segundo Samuel, mas excluídos em #1Cr 21.5. Trata-se, evidentemente, de conjecturas; mas conjecturas úteis na medida em que nos mostram que é possível explicar a discrepância sem pôr em dúvida a correção dos números. Têm-se levantado objeções quanto ao número de homens em idade de prestar serviço militar, argumentando-se implicar ele uma população de pelo menos seis milhões de habitantes, número que se julga excessivo para um pequeno país como a Palestina. Considerada, contudo, a grande fertilidade da terra, o número é aceitável; disso são prova as inumeráveis ruínas de cidades e vilas ainda existentes.

>2Sm-24.10

2. O CASTIGO DE DAVI (#2Sm 24.10-17). Terminado o recenseamento, Davi sentiu remorsos do que fizera e confessou o seu pecado a Deus mesmo antes da chegada do profeta Gade. É o que se depreende do versículo 11 no hebraico. Ao ser-lhe dado a escolher um de três castigos-a fome, a guerra ou a peste (13-14) Davi resolve abandonar-se às mãos de Deus e o Senhor mandou a praga desde pela manhã até ao tempo determinado (15), isto é, até à hora do sacrifício, pelas três horas da tarde; 70.000 homens pereceram.

>2Sm-24.18

3. A EIRA DE ARAÚNA (#2Sm 24.18-25). A praga só cessou depois de Davi ter construído o seu altar e sacrificado na eira de Araúna, no monte Moriá, onde viria a ser construído o templo (25). Araúna era um dos velhos habitantes jebuseus de Jerusalém. Era um homem de espírito nobre, aparentemente devoto, embora não israelita, que pôs à disposição de Davi tudo quanto era necessário para o sacrifício (21-23). Davi, numa atitude igualmente nobre, dá uma resposta digna de ser inscrita em letras de ouro para a posteridade: "Não, porém por certo preço to comprarei, porque não oferecerei ao Senhor meu Deus holocaustos que me não custem nada" (24). Davi comprou a eira e os bois por cinqüenta siclos de prata (24). Segundo #1Cr 21.25 Davi pagou a Ornã (isto é, Araúna) seiscentos siclos de ouro "por aquele lugar". Esta seria uma transação posterior, para adquirir o terreno completo, no qual foi mais tarde construído o templo. (#1Cr 22.1; #2Cr 3.1).

A. M. Renwick


Fonte: Novo Comentário da Bíblia de F. Davidson

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